Profissão, professor, profanação
Carla Rodrigues
07.05.15
Quando o saber ainda não era mera circulação de mercadoria, a profissão de professor era consagrada. Como figura encarnada do sabedor, o professor, a quem cabia promover a formação, cai da consagração para a profanação. Apanhar da PM nas ruas de Curitiba, fazer greves invisíveis e exercer uma profissão cujo piso salarial na rede pública é de R$ 1.917,78 – valor de 2015, considerado um imenso avanço em relação aos anos anteriores – é parte dessa imensa história de profanação.
Antropologia de si
Bernardo Carvalho
30.04.15
Karl Ove Knausgaard, consagrado mundo afora como o "novo Proust", narra a própria vida e sua relação com o pai violento e alcoólatra em Minha luta. Em meados do século passado, outro escritor também se propôs a criar uma obra a partir da descrição radical de si mesmo, mas com resultados opostos. Michel Leiris publicou A idade viril em 1939, e a radicalidade vinha do avesso de um processo de identificação imediata com o leitor.
Você tem medo de quê?
Carla Rodrigues
22.04.15
Há algo na experiência contemporânea em relação à multiplicação de discursos – de ódio, de pânico moral, de violências – que é impossível compreender. O espetáculo O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer, da Cia de Teatro Acidental, é uma excelente provocação sobre o que significam estas disputas de discurso, performatizando um dos temas em pauta nas redes sociais: homofobia, violência e discriminação sexual.
“Pra que cantar canções que nunca vão te ouvir?”
Bernardo Carvalho
15.04.15
Passei as últimas semanas ouvindo o novo disco de Sufjan Stevens, Carrie & Lowell. Não sei mais o que fazer com tanta tristeza. O milagre do pop é transformar as maiores platitudes em revelações. Nesse disco, não há concessão artística nem apetrechos; Stevens corta no osso. A voz, o banjo e o piano servem apenas para depurar e simplificar, para dizer o que deve ser dito, por mais herméticas que possam ser as palavras.
Questão de classe
Carla Rodrigues
08.04.15
Downton Abbey, a série que retrata a vida da aristocracia inglesa no início do século passado, acaba de estrear na TV Cultura, e sua entrada na televisão brasileira tem muito a ensinar sobre uma das questões que atravessam a desigualdade brasileira: a divisão em classes. No Brasil de 2015, como na Inglaterra de 1910, o que entra em colapso quando se reconhece a centralidade da luta de classes é a própria ideia de que há um lugar destinado a cada um.
Desmancha-prazeres
Bernardo Carvalho
01.04.15
Está em cartaz no Jeu de Paume, em Paris, uma retrospectiva da fotógrafa americana Taryn Simon. Destaca-se uma série composta por retratos coloridos de pessoas que foram incriminadas e condenadas por engano, graças ao uso da fotografia como prova. Num mundo sobrecarregado de imagens e cada vez mais propenso à ambiguidade dos discursos, não faltam razões para desconfiar de tudo o que se faz passar por simples, direto, fácil e imediato.
Sobre sexo, livros e morte
Carla Rodrigues
25.03.15
Chega ao mercado brasileiro Manifesto contrassexual, da autora espanhola Beatriz Preciado. Seu livro-manifesto data de 2002, é um marco na teoria queer, e sua chegada ao Brasil tantos anos depois pode ser considerada sinal de muitos sintomas: do atraso do debate sobre as fortes ligações entre sexualidade e heteronormatividade, de certa forma ainda mantido numa espécie de gueto como se fosse do interesse apenas de uns poucos.
Domesticação da literatura
Bernardo Carvalho
18.03.15
A pior crítica é aquela que revela mais sobre o crítico do que sobre o que ele critica. Não é menos ruim a crítica que se pauta pelo funcionalismo mercadológico e que, em seu convencionalismo previsível de guia de consumo, não consegue conceber que a literatura dependa da liberdade do risco. Costumam ser dessa ordem as resenhas de Michiko Kakutani, crítica do The New York Times, e é o caso em especial da que ela escreveu sobre o mais recente romance de Kazuo Ishiguro, The Buried Giant.
A quem o preconceito mata
Carla Rodrigues
11.03.15
O feminicídio tornou-se circunstância qualificadora do crime de homicídio. Para o bem da política, poderia se encontrar algum similar que coibisse manifestações de ódio e preconceito que estão expressando o pior da misoginia na sociedade brasileira. Não é natural, nem democrático, nem forma de protesto, nem liberdade de expressão chamar nenhuma mulher de “vaca” ou “vagabunda”.
O livro das contradições
Bernardo Carvalho
04.03.15
A revelação da identidade do inglês encarregado pelo Estado Islâmico de decapitar reféns ocidentais deixou muita gente perplexa. Ao que parece, o ódio do ex-universitário londrino contra o Ocidente foi nutrido pelo tratamento que recebeu anos atrás pelo serviço antiterrorista britânico. Em seu livro, o jornalista irlandês Patrick Cockburn escreve: "Foram os Estados Unidos, a Europa e seus aliados regionais na Turquia, na Arábia Saudita, no Catar, no Kuwait e nos Emirados Árabes Unidos que criaram as condições para a ascensão do Estado Islâmico”.
