Esta matéria de Paulo Mendes Campos, cedida pela editora Abril para republicação no Blog do IMS, foi publicada originalmente em 1969, na revista Realidade. O arquivo do escritor mineiro está sob a guarda do Instituto Moreira Salles desde 2011.
A Academia Brasileira de Letras tem ilustres apelidos: cenáculo, sodalício, Petit Trianon, Trianonzinho… Casa de Machado de Assis! Este último – singela mas habilidosa combinação de palavras – é invocado exatamente quando se faz necessário desviar a atenção, disfarçar a verdade: a Academia não é só a casa do nosso maior escritor; é de Machado de Assis, do Cláudio de Sousa, do Almirante Jaceguai, do Guimarães Rosa, do Jorge Amado, do Pedro Calmon, do Getúlio Vargas, do Barão do Rio Branco, do João Cabral de Melo Neto, do Conde de Afonso Celso, do Dom Aquino Correia…
Em uma palavra, a Academia sempre foi potencialmente de todos, os melhores e os piores, escritores e não escritores, civis e militares, nobres e plebeus, médicos e engenheiros, brancos e mestiços, direitistas e esquerdistas, ricos e pobres, espíritos inventivos e espíritos que só conseguiram inventar o expediente eleitoral.
Uma imagem muito nossa
A Academia não é a imagem completa de nossa literatura, mas é a melhor imagem do nosso Brasil, o retrato mais fiel da nossa confusa cultura social. Essa fatalidade radiográfica conta ponto a favor dos acadêmicos, indicando que se trata de temperamentos espontâneos, sensíveis ao meio, incapazes de criar um critério de seleção inarredável.
Por outro lado, como a ação coletiva ou institucional da Casa não chega a ser ponderável, mede-se o seu valor, a um momento dado, pelo maior ou menor número de bons elementos que lá se encontram, como em um time de futebol: contagem meramente estatística, pois os quarenta imortais nunca atuam em conjunto. Valem pelo que produzem individualmente.
Relegando a um segundo plano a importância do corpo de sócios, a Academia chegou a um remansoso e tácito compromisso: a organização não incomoda os escritores e os escritores não incomodam a organização. A inquietação criadora de cada um não se transfere à sociedade, assim como esta não espera dos associados o bom comportamento acadêmico. A não ser nas horas de expediente, quando praxes e estatutos devem ser polidamente observados.
A Academia Brasileira de Letras vai atingindo a tranquilidade, sem dúvida, aperfeiçoando as funções que lhe permitem tornar-se um clube amável. Abrigando antigos iconoclastas, acolhendo desmontadores da sintaxe e rebeldes sociais, continuando a pescar aqui e ali figurões que lhe são úteis, ela foge ao destino que não pode seguir – o de ser um órgão cultural – e se faz uma casa de convivência.
Depois da maturidade, uma convivência complacente é indispensável à maioria dos homens: as amizades contrastantes são as mais saborosas. Que delícia ir descobrindo que o odioso inimigo de ontem é um bom sujeito, coitado! Que doçura encontrar no ridículo poeta de trinta anos atrás um coração de ouro! Que encanto receber de presente uma cesta de Natal enviada pelo romancista dos palavrões! Que alívio ouvir o futurista recitar uma oitava de Camões! Dessa linha se tece o estofo das poltronas de todas as academias. O acadêmico é, antes de tudo, um ser bilaquiano, isto é, nem bom nem mau, mas triste e humano.
Consequência dessa política pacífica, a Academia se imunizou contra os inimigos. Como não se propõe a nada de sério, de reformista, disciplinador ou doutrinário, seria insensato combatê-la. Não se mexe com quem está quieto. Se o escritor bom deseja entrar, não é vergonha; se é o mau escritor, não ficará sem companheiros; se não é escritor, pouco importa.
– Aos vinte anos – dizia Afrânio Peixoto – todos os escritores são contra a Academia, atacando-a furiosamente; aos trinta, todos são candidatos; aos quarenta, alguns são acadêmicos.
Isto talvez fosse um bom pedaço da verdade, hoje é diferente: os escritores de vinte anos não atacam a Academia e nem todos de trinta desejam ser acadêmicos.
À luz dos bicos de gás
O chá precedeu a Academia, e era chilro, isto é, insípido, segundo o testemunho de Coelho Neto. Era na Revista Brasileira, fundada por José Veríssimo em 1895, que poetas, romancistas, ensaístas e historiadores entumavam à luz de bicos de gás. Como deviam ser melancólicos e brilhantes esses anoiteceres!
Ali se encontravam habitualmente Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Bilac… A ideia da Academia foi de Lúcio de Mendonça. Os literatos tinham ficado suspeitos como subversivos desde a Inconfidência (o Conde de Resende dissolvera uma sociedade literária fundada por Silva Alvarenga). Em 1896, alguns dos homens de letras queriam o patrocínio oficial, a que se opunham os monarquistas – Nabuco, Laet, Taunay, Afonso Celso. A primeira sessão se realiza a 15 de dezembro. São aclamados: Machado de Assis, presidente; Rodrigo Otávio e Pedro Rabelo, secretários. Estatutos aprovados em poucos dias, a sessão inaugural só se realizaria a 20 de julho de 1897, no Pedagogium, na Rua do Passeio.
A primeira vaga não foi por óbito, mas pela recusa do convidado: Capistrano de Abreu declarou que lhe bastava pertencer à sociedade humana, para a qual entrara sem ser consultado. Tornou-se assim uma espécie de patrono dos que nunca namoraram a Academia: Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Augusto Frederico Schmidt, Cavalcanti Proença, Gilberto Freyre, Erico Veríssimo, Mário Quintana, Vinícius de Morais, Sérgio Buarque de Hollanda (o autor da reportagem, falsamente informado sobre a candidatura deste último, perdeu não sabe quantas garrafas de cerveja dinamarquesa em aposta com Chico Buarque).
Os gregos no fim do século
Enquanto se fundava a Academia, o mundo ia aperfeiçoando e aplicando as invenções do século XIX: máquinas a vapor, estradas de ferro, telégrafo, transatlântico, telefone, luz elétrica. Em Nova York já existia uma centena de automóveis de aluguel. Breuer e Freud estudavam a histeria. Max Planck chegava às primeiras conclusões que despertariam Einstein. O processo Dreyfus punha a França em febre. Marx já tinha morrido, Lênin e Stálin começavam. Os impressionistas pintavam, Debussy compunha, Eça de Queirós chegava ao fim do violento mural.
Enquanto isso, o Brasil era grego.
Foi Brito Broca quem espalhou isto: o Brasil era grego! Grego, latino e francês! Em 1862 Tobias Barreto já havia confessado: “Sou grego”. Joaquim Nabuco não gostava que vissem no amigo Machado de Assis o mulato: “Pelo menos vi nele o grego”. E muitos acadêmicos continuariam gregos. Euclides era grego. Afrânio Peixoto era racista, de sabor científico. Mais tarde, a folha de mirto, emblema da glória na Grécia, seria escolhida para enfeitar o fardão acadêmico. Bilac via Salamina nas regatas de Botafogo. Até Monteiro Lobato foi grego e racista, achando que o mestiço era “uma vingança inconsciente dos negros” e que o Rio era “a contra-Grécia”.
Por olímpica ironia, a Grécia brasileira entrou em colapso quando o imortal Coelho Neto bradou sous la coupole esta sentença digna de um almirante batavo:
– Eu sou o último dos helenos!
Depois, os estouvados modernistas de São Paulo, mais os estouvados modernistas do Rio, de Minas e do Nordeste, bagunçaram a Hélade sul-americana, brigando por abrasileirá-la: não é certo se o conseguiram, mas provaram que gregos não somos. Aliás, como afirmou em palestra pública um escultor mineiro, nem os gregos foram tão gregos quanto dizem.
Cenário de ópera-bufa
O ano de 1897 – o da sessão inaugural – foi de ponta a ponta inquietante no Brasil. A coluna de Moreira César era desbaratada a caminho de Canudos. Jacobinos e monarquistas viviam de pauladas e pedradas no centro do Rio. Jornais destruídos, sublevação nas escolas militares, demissões, exílios, desrespeito às imunidades parlamentares.
No fim do ano, depois do massacre de Canudos, o anspeçada Marcelino Bispo tenta assassinar Prudente de Morais, mata o ministro da Guerra, fere o chefe da Casa Militar e outro oficial. Os preços do café caíam, a industrialização não vinha, a previsão do déficit orçamentário era de dar medo.
No ano seguinte, Campos Sales, presidente eleito, vai à Europa dar um jeito, meio humilhante embora, nas dívidas nacionais. As medidas deflacionárias de Joaquim Murtinho provocam falências e sufocam o crédito. De qualquer modo, se os cofres estão vazios, se os ricos estão menos ricos, se os pobres estão mais pobres, mais uma vez o Brasil está salvo.
No ano seguinte, Campos Sales, premorar. É pobre. Mudou-se do Pedagogium para o Ginásio Nacional, deste para a Biblioteca Fluminense, daí para o escritório de Rodrigo Otávio. Por fim, por ato oficial do econômico Campos Sales, instalou-se na Lapa, em uma ala do Silogeu. Quando, seis anos mais tarde, a subvenção oficial de 20 contos permitiu que se criasse o jeton, conta Manuel Bandeira, o júbilo foi grande: “Não pelo dinheiro, que mal pagava quatro corridas de tílburi até Botafogo ou Laranjeiras, mas porque na Academia Francesa havia jeton, e portanto imortalidade sem jeton soava ainda como meia imortalidade”.
A Academia deve gratidão, a mais suave das dívidas, a três mãos que se abriram: a do livreiro Francisco Alves, que, por obra e graça de Rodrigo Otávio, lhe deixou a fortuna em imóveis; a do Governo da França, que, por obra de Afrânio Peixoto e graça do embaixador francês, lhe deixou o Petit Trianon; a de Getúlio Vargas, que lhe concedeu a posse definitiva do prédio.
Cláudio de Sousa defende a munificência do testamento Alves com estas palavras estarrecedoras: “Algumas dessas criaturas malditas, que parece trazerem na caixa craniana o alambique onde destilam o breu negro de seus maus instintos, e nas mãos broxas híspidas para mascarrar e vilificar as reputações alheias, besuntando-as com esse piche de sua própria sujidade, deram a crer que Francisco Alves buscara com o legado uma celebridade póstuma”. Mas não diz se é verdade ou não que uma das cláusulas testamentárias exige da Academia o cumprimento de certas obrigações a respeito do ensino primário. Nem tudo que se quer póstumo é celebridade.
Quanto ao Petit Trianon, trata-se do prédio que abrigou a exposição francesa nas festas do centenário da independência: cópia do palacete, em Versalhes, que Maria Antonieta adaptou para espetáculos de ópera-bufa.
O xadrez eleitoral
Ao contrário dos políticos, quem se candidata à Academia, em vez de forjar umslogan, deve adaptar-se aos slogans eleitorais lá de dentro. Como estes não estão explícitos, é preciso pesquisá-los, adivinhá-los. A Academia é um organismo que reage de acordo com a variedade dos produtos químicos que lhe tocam as entranhas; assim, cada candidato é um produto diferente, assimilável ou não, ácido ou básico, tóxico ou nutritivo, de fácil ou difícil digestão. A reação acadêmica depende da qualidade biológica do indivíduo no momento preciso da candidatura. O candidato em potencial, portanto, só deve inscrever-se quando os órgãos capazes de assimilá-lo estão em maioria. Mais valem nesse jogo as sutilezas instintivas que as promessas de voto. Um erro de intuição, e lá vai o candidato pelo cano.
Se cada caso é diferente, alguns dos princípios eleitorais servem de orientação geral, quer o candidato os tome por axiomas ou arapucas. Por exemplo:
“O voto se pede na alça do caixão do defunto.”
“Eleição é cambalacho.”
“A Academia é uma questão de circunstância.”
“Victor Hugo inscreveu-se cinco vezes!”
“Se eu fosse você, retirava a candidatura e voltava na próxima.”
Quando o presidente Austregésilo de Athayde garante que “os membros da Academia, nas eleições dos imortais, adotam critérios tão honestos quanto o colégio dos cardeais na eleição do papa”, podemos ter por infalível esta verdade: as eleições no Vaticano, Deus nos perdoe, não podem ser muito católicas.
A Academia já adota há bastante tempo o processo de quatro escrutínios: “Eu te dou meu voto no segundo e no quarto, mas no terceiro e no primeiro.. .”. Esse ponto de tricô ajuda a embrulhar o candidato. Voto prometido, mesmo jurado em nome de Machado de Assis – é voz geral -, não quer dizer nada. Sente-se mediunicamente a votação; a aritmética dos compromissos é sobrenatural.
Afirmam os entendidos que os mais importantes manobreiros eleitorais são Afrânio Coutinho, Pedro Calmon, Peregrino Júnior e Josué Montello. Cassiano Ricardo e Menotti dei Picchia encarregam-se do setor paulista. De fato, todos se animam nas fases eleitorais, e é de se imaginar, só de leve, com aquele arrepio de quem se aproxima da verdade encoberta, se a morte do companheiro não recebe o consolo, mínimo embora, do sopro de vida que virá no calor da eleição. Votar é viver, e é por esse motivo que os povos sem urnas perdem a força.
Pelo primeiro cambalacho notável são apontados como responsáveis dois nomes castos: o Barão do Rio Branco e o próprio Machado de Assis. Foi em 1905, na vaga de José do Patrocínio, quando se apresentaram Mário de Alencar, filho do autor deIracema, e Domingos Olímpio, autor de Luzia-Homem. O primeiro era pouco mais que um estreante, com dois livros de versos publicados, mas era filho de José de Alencar e amigo do presidente perpétuo da Academia; o segundo era escritor conhecido, de obra feita, mas ninguém conseguiu convencer o Barão de que Domingos Olímpio não era também autor de uns artigos contra ele. Entrou também no páreo, de inocente, o Padre Severiano de Resende. Resultado: Padre Resende, um voto; Domingos Olímpio, nove votos; Mário de Alencar, dezenove votos.
Precisa, mas não gosta
Para Manuel Bandeira, a maior injustiça da Academia foi ter deixado o filólogo Sousa da Silveira de fora (quando a instituição arquejava pelo menos por um gramático), escolhendo Pereira da Silva. Aliás, a Academia precisa, mas parece não gostar de gramáticos. O que, pensando bem, talvez seja melhor: se atulham a Academia de gramáticos, eles podem acabar ditando regras lá dentro e aqui fora.
Os estatutos, é certo, mandam cuidar da língua. Mas quem vai cuidar? Como cuidar? De quem cuidar? Que língua instaurar como padrão? A do Guimarães Rosa? A do Aurélio Buarque de Hollanda? A do Ataúlfo ou a do Jorge Amado? Por instinto ou por uma feliz combinação de incidentes, o augusto cenáculo não se preparou para essa tarefa:tant mieux! como dizia o Aluísio de Castro.
O Brasil precisa, sim, há muito tempo, de um grupo de trabalho, pouco numeroso mas competente e bem pago, que vertesse para o português a catadupa de termos técnicos e semitécnicos que a língua inglesa lança anualmente em nosso indefeso vocabulário. Na Espanha a Real Academia se incumbe dessa filtragem aduaneira.
Jeitinhos e desertores
O jeitinho do expoente subiu à categoria decritério desde que Nabuco o invocou para dar cobertura à batalha do Almirante Jaceguai(Jazagoi, como escreveu o secretário de Anatole France). Dois anos depois, o critério-gazua era novamente usado para abrir as portas do Trianon a Lafaiete Rodrigues Pereira: tinha prometido (contam os malditos) a beleza do Monroe aos acadêmicos.
O caso de Lauro Müller foi mais complicado: sem ser escritor e sem livro publicado (não confundir), foi necessário que se imprimisse em Paris um discurso do ilustre engenheiro. Em papel grosso e letras garrafais, de acordo com a visão malévola de Lima Barreto. Lauro Müller, derrotando Ramiz Galvão, fez José Veríssimo renunciar ao cargo de secretário e nunca mais voltar ao ameno convívio.
Outros desertaram por diversos motivos. Rui Barbosa, por não terem apurado um voto seu enviado por telegrama. Oliveira Lima, por não ter concordado com ojeton. O jurista Clóvis Beviláqua porque a Academia não aceitou a inscrição de sua esposa à vaga de Alfredo Pujol. Graça Aranha, depois de afirmar na famosa sessão de junho de 1924 que a Academia tinha sido fundada por equívoco, depois de ser carregado em triunfo pelo jovem Alceu Amoroso Lima (hoje ocupante da quadragésima poltrona), depois de ouvir o grito helênico de Coelho Neto, depois de afirmar que não éramos “a câmara mortuária de Portugal”, never more, nunca mais voltou lá.
O maior escândalo não houve: Emílio de Meneses (vetado enquanto Machado de Assis viveu) teve seu discurso censurado, prometeu ler no dia da posse o texto original. Foi um corre-corre, um deixa-disso. Mas o gordo Emílio, pioneiro da bebida que tomou conta da nossa classe média para cima, o uísque, morreu antes da posse.
Uma Academia de Letras tem sempre numeroso repertório de incidentes. Rodrigo Otávio Filho contou a Guilherme de Figueiredo que Roberto Simonsen chegou uma vez a preparar uma ceia de sessenta talheres no Copacabana Palace e perdeu essa eleição.
Mas o conto decididamente fúnebre é do General Sousa Doca. Por causa de Getúlio Vargas, a Academia modificara o critério de apresentação: se dez acadêmicos assinassem a indicação de alguém, e esse alguém anuísse por carta à imortalidade, estava tudo resolvido. Eleito Getúlio por esse critério, o mesmo prevaleceu na vaga seguinte, quando se inscreveu o Coronel Afonso de Carvalho, do gabinete do Ministro da Guerra Eurico Dutra. Como os acadêmicos não quisessem o coronel, cataram às pressas um general, Sousa Doca, dedicado aos vagares da pesquisa histórica depois de reformado. Doze acadêmicos apresentaram a candidatura do general. Aí morre o Coronel Afonso de Carvalho. O general é candidato único. Barbada! Ele esperou a eleição em festa. Teve cinco votos. Morreu no dia seguinte.
A morte na cadeira 13
A cadeira número 13 era naturalmente fatídica. Tem por patrono o poeta Francisco Otaviano (daqueles versos: “Quem passou pela vida em brancas nuvens …”). O sócio fundador, Visconde de Taunay, sentou-se nessa poltrona simbólica e agourenta pouco mais de um ano. Eleito, o médico baiano Francisco de Castro não chega a tomar posse. O pernambucano Martins Júnior, também eleito, morre antes de assumir. O pernambucano Sousa Bandeira, tio do Manuel, ganha de Osório Duque Estrada (o “guarda-noturno das letras”) e aguenta de 1905 a 1917. Em 1919, o mineiro Hélio Lobo exorcizou a cadeira. Ficou nela cerca de quarenta anos.
Por um discurso de Félix Pacheco, em 1934, podemos avaliar o drama que descompassa a Academia Brasileira de Letras. A média estatística de falecimentos era de um acadêmico em dez meses. Naquele ano abriram-se as vagas de Augusto de Lima, Medeiros e Albuquerque, Gregório da Fonseca, João Ribeiro, Miguel Couto, Coelho Neto e Humberto de Campos. A penúria em que morreram alguns deles, depois de duras existências de trabalho, provocou os mesmos comentários de sempre, contra editores e donos de jornais. No ano seguinte morria o próprio Félix Pacheco.
Uma questão de gramática
A história acadêmica é infindável. Monteiro Lobato foi o candidato mais arrependido, pra frente, pra trás, como um molinete de pesca, acabando em croca, que é quando a linha se embaralha irremediavelmente.
Vianna Moog entrou na boa cor dos 38 anos, mas Pedro Calmon, naturalmente, entrou mais moço. Lima Barreto, de cara cheia ou em crise de sobriedade, teve a fraqueza de candidatar-se, logo na vaga do Emílio, quando os jornais da época decretavam que o escritor boêmio era um tipo que já não podia existir mais entre nós. Bateram três vezes a porta na cara do Professor Mário Barreto.
Durante uma sessão (revela Manuel Bandeira, o menos circunspecto dos acadêmicos ao falar da Academia), um imortal desancou os poetas que não metrificavam, não conheciam a flor do Lácio. Em seguida, lendo um verso de Bilac, pronunciou blásfemo.
Guimarães Rosa tinha o pressentimento de que morreria se fizesse o discurso de posse: e infelizmente foi verdade. Viriato Correia, como Victor Hugo, candidatou-se cinco vezes. A ele atribuem a seguinte sentença: “Bati nestas portas quando meus cabelos eram pretos; abriram-mas quando já os tinha brancos”. João Ribeiro não possuía a certeza se a palavra “brasileiro” dos estatutos excluía gramaticalmente as mulheres (a Academia Mineira já abriu as portas a duas escritoras). Por ter afirmado, em artigo de jornal de 1909, que, em face da civilização,um operário tem mais valor que um general, o acadêmico Medeiros e Albuquerque levou umas bengaladas no Largo de São Francisco, no Rio. Luís Murat, no fim da vida, dialogava com Homero, Dante, Pascal, Comte e o Marechal Deodoro. Julgava-se a reencarnação de Shakespeare e prometia vingar-se de Victor Hugo.
Sério foi na posse de Euclides da Cunha, em 1906, quando Sílvio Romero, nas barbas do Presidente Afonso Pena, fez aquela famosa crítica da situação nacional, a partir de um mote euclidiano: “Ou progredimos ou desapareceremos”.
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