Em Rush, as fórmulas de Hollywood na Fórmula 1

Cinema

19.09.13
Rush (2013), de Ron Howard

Rush (2013), de Ron Howard

Eu tinha apenas 6 anos em 1976 (ai, que saudades da professorinha e da inocência…) e não me lembro bem daquele campeonato de Fórmula 1, tratado como épico pelo filme Rush – No limite da emoção (a distribuidora brasileira deve ter feito um concurso para escolher o subtítulo mais clichê), agora em cartaz.

Mas me lembro, claro, do carro de Niki Lauda pegando fogo na Alemanha, de sua quase morte e de seu rosto desfigurado após os enxertos de pele. Ele se uniu ao Fantasma da Ópera (eu tinha visto um filme horrível no SBT) nos meus pesadelos. No entanto, havia a grande admiração pelo piloto que ele era, campeão em 1975 pela Ferrari, ao mesmo tempo frio e veloz, um tanto à semelhança do que fazia no tênis o sueco Björn Borg, outro ídolo de então.

Pois o filme de Ron Howard (Oscar por Uma mente brilhante) consegue transformá-lo num tremendo chato, um austríaco de anedota que repete discursos sobre disciplina, regularidade, precisão. Lá se vai mais um mito da infância…

Como Hollywood não resiste às próprias fórmulas, seu antagonista perfeito é o inglês James Hunt, louro, bonito (é o Chris Hemsworth de Thor, enquanto Lauda é o Daniel Brühl de Edukators e Bastardos inglórios), ousado com os carros e as mulheres. Enquanto Lauda vive para correr, Hunt corre para viver.

http://www.youtube.com/watch?v=oetaOQ5U93A

Por mais detalhada e com ambições documentais que seja a reconstituição da temporada de 1976, fica logo claro que o filme se interessa mesmo é pelo jogo de avessos formado pelos dois protagonistas, que se revezam nas funções de herói e anti-herói, bom e mau, vencedor e perdedor. Em suma, é um folhetim como tantos outros. Uma Sessão da Tarde turbinada (com ou sem trocadilho) pelo engenho de seus efeitos.

Antes de tudo, mesmo para um sem-carro convicto como eu, é fascinante ver novamente em ação aquelas máquinas da década de 1970: Ferraris, McLarens, Lotus, Tyrrels (de seis rodas, lembram-se?, com Jody Scheckter e Patrick Depailler), Marchs (o Vittorio Brambilla e suas derrapadas…), Shadows e Heskeths que povoaram o imaginário e as TVs de muita gente. A reconstituição delas é sensacional.

Os recursos tecnológicos de hoje também permitem jogar o espectador para dentro dos carros, sob eles, sobre eles, atrás deles, uma ciranda que tem sua graça. Mas, na verdade, lá pela segunda metade do filme isso já cansa. Aquelas válvulas (sei lá se o nome é esse) do motor se mexendo como signo de velocidade parecem comercial de óleo lubrificante.

Na linha de Grand Prix (1966) e As 24 horas de Le Mans (1971), porém com mais pretensões realistas por causa da história que o motiva, Rush é o que Hollywood sabe fazer melhor: um filme eficiente, competente, capaz de prender a atenção de qualquer espectador, fã de automobilismo ou não. E, no final, claro, é redentor: Hunt e Lauda reconhecem suas diferenças, assumem-se complementares e selam a paz após quase terem se matado nas pistas.

Senna (2010), de Asif Kapadia

Senna (2010), de Asif Kapadia

E aí me vem citar outro filme, que só vi agora exatamente para me preparar para Rush: é Senna (2010), dirigido por Asif Kapadia. Este é um documentário mesmo, sobre o piloto brasileiro, dos primórdios nas pistas até sua morte. Mas a fórmula não sofre grandes alterações. Em vez de Hunt x Lauda, Senna x Prost; o veloz contra o preciso; o supostamente apolítico contra o conhecedor dos bastidores da Fórmula 1.

Depois de três temporadas (1988 a 1990) em que puseram suas vidas e a dos demais pilotos em risco e de falarem horrores um do outro, eles fazem as pazes em 1993, reconhecendo o quanto talentosos e complementares são. Como em Rush, pois. A diferença é que Senna termina em tragédia, como sabemos bem. E no enterro do brasileiro, em São Paulo, Prost era um dos que seguravam o caixão, num ato que foi considerado muito mais de fidalguia do que de afronta. (Mas Nelson Piquet, outro rival de Senna e menos político, preferiu ficar fora dessa.)

http://www.youtube.com/watch?v=004pELwYODc

Tudo, em ambos os filmes, é embalado em músicas-para-emocionar, cenas-em-slow-motion-para-emocionar, closes-para-emocionar, tudo aquilo a que estamos acostumados e que, mesmo assim, frequentemente nos captura. Esse pessoal do cinema sabe das coisas.

É por isso que, depois de tanto chororô, fica a sugestão: corra (ops!) ao cinema e à locadora (ou à internet) para ver Rush e Senna. Você se envolve tanto que acaba tendo até vontade de escrever sobre o assunto. Rush ainda leva uma vantagem sobre Senna: não tem a voz do Galvão Bueno.

* Luiz Fernando Vianna é coordenador de internet do IMS.

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