Vozes de Brasília – quatro perguntas a João Almino

Quatro perguntas

24.08.11

Autor de cinco livros que tem a cidade de Brasília como pano de fundo das narrativas, o diplomata e escritor brasileiro radicado na Espanha João Almino foi anunciado no começo desta semana como vencedor do 7º Prêmio Zaffari & Bourbon de Literatura, durante a Jornada Literária de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

Cidade livre, o livro premiado, tem como protagonista um jornalista e conflitos que se passam nos primeiros anos da cidade, retratando a vida dos operários envolvidos na construção da cidade projetada por Oscar Niemeyer e Lucio Costa. O livro encerra a série que inclui os romances Samba-enredo, As cinco estações do amor, O livro das emoções e Ideias para onde passar o fim do mundo, este, vencedor do Prêmio Jabuti.

Nascido em 1950 em Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, o autor também se dedica a não ficção e tem estudos publicados sobre diplomacia, democracia e autoritarismo. Ele respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS antes de retornar à Europa.

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Cidade livre faz parte de uma série de livros de sua autoria dedicados a Brasília, que é tida como uma cidade árida, hostil e, pelo histórico político, capaz de despertar pouca empatia. Quais elementos o senhor encontrou na cidade que serviram de base para os romances e o que lhe interessa em Brasília? 

Na Brasília que aparece em meus romances, misturam-se os impulsos modernizadores aos processos de desmodernização; o plano racional ao irracionalismo que prolifera espontaneamente ao seu redor (por exemplo, nas seitas místicas); o aspecto mítico e utópico de uma ideia que acompanhou toda a história do Brasil independente ao dia a dia de uma cidade em que não faltam os problemas típicos dos grandes centros urbanos brasileiros, a violência, a pobreza e as enormes desigualdades sociais – visíveis através do contraste entre o Lago Sul e as cidades satélites. Brasília se presta a uma leitura do país e pode simbolizar o desenraizamento, a hibridização e a transculturalidade, que são temas centrais de minha literatura. Gosto de pensá-la como local de identidades múltiplas, cambiantes e principalmente em aberto. Mas não pretendo que minha literatura exprima uma Brasília real ou verdadeira, até mesmo porque creio que o realismo não basta. Minha literatura exprime apenas um ponto de vista, o da minha própria Brasília ficcional.

 

O protagonista de O livro das emoções é um fotógrafo, e o de Cidade livre, um jornalista. Houve de sua parte alguma pesquisa mais aprofundada sobre esse universo ou as referências se resumem ao conhecimento pessoal? 

Os personagens centrais são sempre puras criações literárias. Com a ficção posso trabalhar melhor suas emoções e seus dramas profundos, realizando na literatura um trabalho semelhante ao de um ator. Para alcançar esse resultado, faço às vezes pesquisas, que vão desde a leitura de crônicas de uma época à de mapas ou relatórios. Lado a lado a esses personagens inventados, podem surgir personalidades históricas, cuja existência seja conhecida dos leitores, com o objetivo de acentuar a verossimilhança.

 

A atividade literária do senhor não se resume à ficção. Há livros publicados sobre democracia, estudos sobre autoritarismo, por exemplo. Como é lidar com os dois lados dessa moeda? Há algum tipo de conflito ou eles se complementam? 

Na época da ditadura militar, me parecia urgente escrever alguns textos de filosofia política, enfocando o tema do autoritarismo, da auto-organização, da informação, do segredo. Achava que minha crítica tinha de ser direta, através do ensaio. Comecei a publicar ficção com o fim da ditadura militar, e não se trata de uma ficção que ponha a política no primeiro plano. Os dois lados da moeda em grande medida não foram coincidentes. Embora não renegue meus ensaios de filosofia política, estou exclusivamente dedicado à ficção.

 

O senhor nasceu no interior do Rio Grande do Norte e anos mais tarde doutorou-se em Paris e hoje é embaixador. Uma trajetória ascendente. Que livros e autores preferidos acompanharam o senhor durante a vida? 

Entre os clássicos, e no Brasil, eu diria que todos os cinco romances da fase madura de Machado de Assis, bem como muitos de seus contos, todos os romances de Graciliano Ramos e todos os romances e contos de Clarice Lispector. A esses poderia acrescentar uma grande lista de autores estrangeiros, mas limitando-me aos clássicos que foram e são mais importantes para mim, destacaria Dostoiévski, Proust e Borges.

 

O senhor já foi indicado ao Prêmio Jabuti, ganhou  Prêmio do Instituto Nacional do Livro, o Prêmio Casa de las Américas, e agora o Zaffari/Bourbon, além de outros prêmios e indicações. Há ou houve alguma cobrança em relação à obra seguinte por causa deles, como se houvesse uma marca a ser batida?

Nada que eu tenha considerado importante. Para conseguir produzir, sou disciplinado. Escrevo todos os dias um pouco, sempre de manhã cedo, o que faço já há décadas. Quando publico um livro, já estou trabalhando em outro há pelo menos alguns meses. Não mudo essa rotina e não acelero e nem atraso meu passo por razões que fogem às intenções do próprio texto.

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