Escrevi aqui há algumas semanas sobre os “filmes invisíveis” – aqueles que entram em cartaz nas frestas (ou sobras) do circuito exibidor e desaparecem rapidamente. Pois bem, eis aqui mais um: Menos que nada, de Carlos Gerbase, que estreou no fim de semana em várias capitais brasileiras, mas em cada uma delas numa única sala e numa única sessão (sempre às 18h30). Quem estiver interessado não deve marcar bobeira.
Ao contrário do que o título sugere, trata-se de um filme interessantíssimo. Em linhas gerais, é a história de um psicótico (Felipe Kannenberg) internado num hospício de Porto Alegre e do esforço de uma jovem psiquiatra (Branca Messina) para entender seu caso e aliviar seu sofrimento.
O roteiro é remotamente inspirado no conto O diário de Redegonda, do extraordinário escritor austríaco Arthur Schnitzler, admirado por Freud e autor da novela que originou o último trabalho de Kubrick, De olhos bem fechados, bem como da peça A ronda, filmada por Max Ophüls.
No filme de Gerbase, menos do que as minúcias técnicas do caso clínico e de seu tratamento, o que interessa é a analogia, ou similitude, entre três ordens de investigação: a psicanalítica, a arqueológica (atividade do protagonista) e a policial. Nas três, procura-se desencavar vestígios e pistas do passado para reconstituir um evento, uma história, uma situação.
Participação do espectador
A ideia convém como uma luva ao cinema de Carlos Gerbase, que tem o gosto lúdico da construção narrativa em retrospecto, a partir de vários pontos de vista, contando sempre com a participação ativa do espectador para a montagem final do relato.
Em curtas como O corpo de Flavia (1990) e Deus ex-machina (1995) e em longas como Tolerância (2000), Sal de prata (2005) e 3 efes (2007), o diretor sempre jogou com a instabilidade da verdade, a subjetividade do olhar, a inconfiabilidade do narrador. Seus filmes, dos mais bem-sucedidos aos mais equivocados, são quebra-cabeças que apelam à cumplicidade criativa do público. Aqui, o trailer de 3 efes, filme igualmente notável e pouco visto:
O que há de novo em Menos que nada é uma certa gravidade de tom, uma renúncia quase completa ao humor e à leveza que, bem ou mal, prevaleciam nas obras anteriores. Pudera. Aqui, o tema é o sofrimento humano, a dor não apenas psíquica, mas moral e afetiva. Um filme de maturidade e melancolia, que tem num chapéu branco de menina o seu “Rosebud”. Quem assistir entenderá.
* Na imagem que ilustra o post: cena do filme Menos que nada.