O Benny Goodman da gafieira

Música

04.08.12

Ouvir Severino Araújo era como ouvir um Benny Goodman curtido em Underberg na Praça Tiradentes. Ouvir Severino Araújo era, aliás, impossível: dançava-se com Severino Araújo à frente da insuperável Orquestra Tabajara que ele comandou com brio de 1938 e, de forma honorária, até este  3 de agosto de 2012, quando morreu aos 95 anos.

Nos já distantes anos 1980, o Circo Voador apresentou à molecada da minha idade o que meus pais e os pais deles já sabiam: a Tabajara era A orquestra para se dançar junto – um anacronismo quase bizarro naquela era do BRock. A Domingueira Voadora, numa Lapa ainda não “revitalizada”(sic), era festa semanal de nostalgia e espanto – vovôs saudosos e atirados e universitários meio doidos dançando até uma da manhã.

Lembro perfeitamente da primeira vez em que, no Circo, ouvi a orquestra ao vivo. Uma porrada da metaleira arranjada cheia de bossa por Severino, sempre elegantérrimo, de terno,  em solos de clarinete e, na maior parte do tempo, regendo não os músicos, mas o baile inteiro. E, na pista, a maior bailarina da cidade, a baixinha Antonieta, professora de dança que se tornou personagem de Aldir Blanc e Mauricio Tapajós no samba “Antonieta na Gafieira”.

A Tabajara obedecia a um ritual preciso.  Entrava no palco sem anúncio, tocando a bola pros lados, bolero ou samba-canção para abrir a pista. Um tempinho depois, um locutor, em geral o cantor, anunciava: “com vocês, Severino Araújo e a Orquestra Tabajara, em seu baile número… (e àquela altura o número que entrava aqui já era alto pacas)”.  Solenemente, Severino tocava o prefixo da orquestra (que não achei em lugar nenhum da web) e, depois, sua obra-prima, o choro “Espinha de Bacalhau”.

Dali para diante valia tudo que fizesse dançar. Glenn Miller, bossa nova, samba, bolero, rumba, muito Lupicínio Rodrigues, standards americanos com sotaque genuinamente local. A festa e a dor de corno vinham vestidas em estridentes naipes de metal, aqui e ali comentados pelo maestro, que era chegado também a excentricidades como um arranjo das “Bachianas no 5” ou o “Bolero” de Ravel.

Foi num domingo inesquecível, em 1985, que o baile foi parado logo no início para o anúncio da morte de Tancredo Neves. Apesar de esperada, a notícia causou certo estupor. E a Tabajara atacou um “Hino Nacional” espetacular, cantando por todo mundo,  antes de, é claro, retomar seu repertório habitual. O baile tinha mesmo que continuar.

Se eu for falar da Tabajara, hoje não vou terminar. Depois da perda, como no pneumotórax do poeta, só nos resta dançar uma rumba.

Seguem dois momentos: a “Despedida de Mangueira” tão típica do som da Tabajara e o piro do maestro em cima de Villa-Lobos.

, ,