O corvo, ou a segunda morte de Poe

No cinema

21.05.12

Um pouco por curiosidade, um pouco por dever de ofício – e talvez também um pouco por masoquismo -, fui ver O corvo, de James McTeigue, preparado para o pior. E o que seria o pior, da minha perspectiva? Ver Edgar Allan Poe transformado num super-herói padrão, bom de briga, de tiro e de acrobacias, como fizeram nos últimos tempos com Sherlock Holmes e – podem esperar – farão um dia com Tiradentes, Buda e até Jesus Cristo.

Meus temores, quanto a isso, não se confirmaram: o Poe do filme, encarnado por John Cusack, é totalmente inepto no confronto físico. Passa o filme apanhando e, quando lhe dão uma arma, consegue perdê-la antes de chegar a usá-la.

O filme, portanto, não chega a ser afrontoso. É simplesmente nulo, anódino, escondendo atrás de sua trama rocambolesca uma espantosa ausência de ideias cinematográficas, de vibração autêntica, de seiva criativa.

Pendor kitsch

Passei em revista na memória as adaptações de Poe que conheço e cheguei com certa surpresa à constatação – provisória, como sempre – de que os melhores filmes inspirados em suas obras são todos de produção “B”, de baixo orçamento e forte pendor para o kitsch.

A começar do mudo A queda da casa de Usher (1928), de Jean Epstein, do qual Buñuel foi corroteirista e assistente de direção, até as versões trash de Roger Corman, no início dos anos 60, passando pelo estranhíssimo O gato preto (1934), de Edgar G. Ulmer, Poe parece render melhor no cinema no registro do delírio, da estilização antirrealista de gosto extravagante.

As cores berrantes, os cenários fake e a dramaturgia exacerbada das produções Corman, bem como os modernosos cenários retilíneos e a iluminação expressionista de Ulmer, parecem traduzir o universo gótico-macabro – mas não isento de humor e autoironia – do escritor americano com mais felicidade do que a pretensão solene e intelectualista de McTeigue.

Filme escuro e pastoso

Ao pretender criar um teorema “denso” e engenhoso entrelaçando o autor e suas criações, ao prestar tributo à verossimilhança à moda hollywoodiana, ao hesitar diante do romantismo delirante e tenebroso de Poe, O corvo de certo modo “agathachristizou” o escritor, e o resultado é um filme meramente escuro e pastoso.

Para dar a exata dimensão da pobreza estética do filme de McTeigue, aqui vão, na sequência, um trecho da Queda da casa de Usher de Epstein e os trailers de O gato preto de Ulmer e O poço e o pêndulo de Corman. Bom proveito.

http://www.youtube.com/watch?v=vS_UxOo5tek

* Na imagem que ilustra o post: recorte do cartaz de O Corvo (2012).

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