Paraty é a nossa Veneza

IMS na Flip

02.08.14

No segundo dia de atividades da Casa do IMS na Flip 2014, o jornalista Sérgio Augusto – responsável pela seleção de frases contidas em Millôr 100 + 100 – conversou com Samuel Titan Jr. sobre A educação sentimental, de Flaubert. Sérgio ficou intrigado pelo título a primeira vez que o escutou, e graças a isso acabou lendo o romance que mudaria a sua vida aos 18 anos de idade. 

“O livro é o berço do anti-herói”, disse Sérgio. “E Flaubert era de um rigor extraordinário. Pode-se ler o romance de várias formas: como um romance autobiográfico, um romance histórico.” Sérgio jogou a conversa para o lado de Titan Jr., que recentemente terminou a sua tradução da obra, a ser lançada em março de 2015 pela Editora 34. Na opinião de Titan, a tradução anterior “arredonda certas marcas modernizantes de Flaubert”.

“Também é um romance sobre o medo, sobre o risco de perder o rumo”, afirmou Sérgio, que destacou a maneira como a revolução de 1848 se integra à trama e o estilo totalmente depurado de Flaubert: “Suas frases não podiam ser de nenhum outro modo”.

O jornalista revelou também que tentou adaptar para o cinema o livro, trazendo para o cenário brasileiro, mas teve dificuldade em encontrar uma revolução que fosse equivalente na história de nosso país. Imaginou Maria da Glória, atriz da TV Tupi de beleza clássica, para o papel feminino principal. 

Paulo Mendes da Rocha, apresentado por Flávio Pinheiro como “o mais importante arquiteto brasileiro”, foi o segundo convidado do dia. O arquiteto e urbanista começou a sua fala traçando uma relação comparativa entre Veneza e Paraty. Embora mais de mil anos separem o período em que cada uma foi construída, são cidades surgidas a partir da necessidade de inventar um local ideal para a chegada de navios transportando homens e mercadorias. Mendes da Rocha vê a arquitetura como um discurso, e, nesse sentido, enxerga bastante semelhança entre Veneza e Paraty.

Ao buscar pontos de contato entre arquitetura e literatura, Mendes da Rocha mencionou o italiano Manfredo Tafuri. O autor discute as razões que move o homem para realizar aquilo que é aparentemente impossível – como, por exemplo, a construção de Paraty, uma cidade portuária que, além de transportar mercadorias, também transporta notícias.

Respondendo a perguntas da plateia sobre mudanças recentes que ocorrem na vida urbana (falta de segurança, por exemplo) e como a arquitetura se relaciona a isso, o arquiteto foi categórico ao afirmar: “A cidade não nos oferece nada, não temos que esperar que ela ofereça, precisamos inventar a cidade”.

Ele mencionou o absurdo que é a cultura do carro, em que todos acham que precisam de um veículo imenso que queima litros de petróleo para se transportar. O deslocamento na cidade, portanto, “não pode ser feito por transporte individual, mas pelo coletivo, por trens rápidos, mas o desenho da cidade não foi feito para atender o metrô, então precisamos refazer tudo. Eis o objetivo da arquitetura”.

Ainda sobre o tema, Mendes da Rocha disse que uma criança não pode ser levada à escola de automóvel: se for sozinho, a pé, será o seu contato com a vida pública – fundamental para a formação de caráter.

No resto da conversa, o arquiteto respondeu a perguntas do público, com opiniões fortes sobre o sistema de energia de São Paulo, a construção de Brasília e a mudança de capital do Rio de Janeiro para a cidade, além de um discurso final sobre a educação das crianças de hoje. Paulo Mendes da Rocha deve ser escutado.

Almeida Faria, escritor português cuja obra está sendo relançada no país, foi o terceiro convidado do dia. Ele decidiu falar sobre Grande sertão: veredas, obra máxima de Guimarães Rosa, apesar do receio de conversar com uma plateia brasileira sobre um clássico da literatura nacional. “Felizmente só descobri esse livro depois de ter escrito [meu segundo romance] A paixão, senão não teria escrito A paixão”. Na opinião de Almeida Faria, o romance de Guimarães inspirou autores de todo o universo lusófono, como Mia Couto.

Samuel Titan Jr. expôs as várias leituras críticas que o romance de Guimarães recebeu ao longo do tempo – inclusive o rótulo de hiperregionalismo. Na opinião de Almeida Faria, “o português do livro é estranhíssimo para nós de Portugal – talvez para o Brasil também – e não é nada regionalista. Parece regionalista, mas é muito mais do que isso. É sobretudo uma epopeia. Os antepassados do Grande sertão são A odisseia, A ilíada

Titan Jr. perguntou quais foram as principais influências por trás de A paixão, romance de Almeida Faria que está sendo relançado. O autor português respondeu que, mais do que a prosa, a poesia o marcou para a escrita. Na prosa, o nome central seria William Faulkner, um escritor que também cria subtextos religiosos.

Raduan Nassar é um dos entusiastas da prosa de Almeida Faria. O português contou que, certo dia, nos anos 1970, tocaram à porta de sua casa e era um casal de brasileiros. O homem era Raduan Nassar, e carregava Lavoura arcaica em mãos. Esse foi o início de uma amizade que dura até hoje, quase 40 anos depois, apesar de só terem se encontrado ao vivo duas vezes. 

 

A última convidada do dia foi Graciela Mochkofsky, repórter argentina autora de Timerman, uma análise detalhada de Jacobo Timerman, figura lendária do jornalismo argentino. Através de um indivíduo, a jornalista busca entender períodos recentes (e traumáticos) da história de seu país, e as relações entre jornalismo e poder. “Ele queria ter poder e influência, e de fato atingia uma classe média bastante lida”. Uma das grandes questões da política argentina durante a ditadura, afirmou Mochkofsky, era: o que fazer com o jornalismo? E o setor mais radical e antidemocrático da sociedade costuma buscar uma eliminação completa do jornalismo. 

A conversa de Mochkofsky com o mediador João Gabriel de Lima foi pontuada por uma série de reflexões acerca da complexa situação política da Argentina que a jornalista ajudou a esclarecer.

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