Nostalgia e homenagem

IMS na Flip

03.08.14

No último dia de atividades da Casa do IMS na Flip 2014, José Luiz Passos foi convidado para conversar com o público que lotou a casa sobre Otelo, de William Shakespeare, peça de teatro que o autor considera fundamental não apenas na sua formação de leitor, mas uma influência constante em sua ficção, de O grão mais fino a O sonâmbulo amador, passando pelo livro de crítica acerca da produção de Machado de Assis, Romance com pessoas.

Tamanho é o impacto de Otelo que há referências explícitas à peça em O sonâmbulo amador: Passos leu o trecho em que reconstruiu uma cena shakespeariana no contexto do sertão. Entre as características que mais interessam Passos nesta peça específica está o cruzamento entre um drama histórico e um drama doméstico.

O português Almeida Faria havia dito, em conversa na Casa do IMS, que Otelo era o maior romance de ciúme já escrito, e Passos parece concordar. O que há de mais interessante no ciúme, afirmou o escritor pernambucano, é que ele é sempre narrativo, isto é, sempre depende de uma história que é contada.

Perguntado pelo mediador Antônio Xerxenesky o que achava das adaptações da obra de Shakespeare, Passos elogiou a versão de Orson Welles para o cinema, uma reinvenção radical e sutil. Em curso que leciona nos Estados Unidos, Passos busca rastrear as aparições de Otelo nas Américas, o que inclui peças de balé, que remontam os sentimentos evocados por Shakespeare através da dança.

O diretor Cacá Diegues foi o segundo convidado do dia em uma mesa dedicada à memória de João Ubaldo Ribeiro, morto em julho de 2014. João Ubaldo foi um grande amigo de Cacá, e trabalharam juntos em Tieta. Ubaldo afirmava detestar escrever roteiros, mas foi convencido pelo amigo a adaptar o livro de Jorge Amado. Era um sujeito indisciplinado, “muito disperso”, e ficava inventando milhares de coisas que não estavam presentes no livro, para desespero do cineasta.

Sobre Viva o povo brasileiro, Cacá se mostrou categórico: “Um dos maiores livros da língua portuguesa. Não é propriamente um livro sobre a história do Brasil, é mais sobre a identificação de várias características próprias da cultura brasileira. Quando li pela primeira vez, caí de quatro. É um livro absolutamente imprevisível.”

O mediador Rodrigo Lacerda perguntou se, graças ao humor, João Ubaldo é menos levado a sério do que deveria. Cacá acredita que Ubaldo é pouco estudado porque é muito popular, e os intelectuais não levam a sério uma literatura que faz sucesso. “Ele tem a mesma importância para a literatura brasileira que o Faulkner tem para os americanos.”

O difícil é escrever algo pós-Viva o povo brasileiro, refletiu Cacá, ao ser perguntado sobre a continuidade na obra de Ubaldo. O que fazer depois de uma obra-prima, depois que tudo já foi dito? “Quando se urbanizou, perdeu um pouco a qualidade de inventar o povo brasileiro, mas continuou sendo muito original.” Lacerda contou a anedota de quando Ubaldo terminou a redação do livro, levou para ser pesado em uma balança, pois queria muito escrever um livro grande.

A última conversa da série foi com o escritor e jornalista mexicano Juan Villoro, que veio à Flip para lançar seu romance mais recente, Arrecife. Villoro deu uma verdadeira aula sobre o livro que escolheu falar, Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez, morto em abril de 2014. Apesar do tom de reportagem e da proximidade com eventos que de fato ocorreram, a trama de García Márquez é urdida de forma engenhosa, e mescla ficção com realidade em um nível vertiginoso. Além de destacar a grandeza da prosa de Márquez – defendendo-o da geração de críticos que formaram o movimento McOndo -, Villoro assinalou a importância que o escritor colombiano teve como jornalista, e é nesse sentido que a obra de Villoro mais foi marcada pelo contato com Márquez.

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