Carla Rodrigues

Trabalho de luto

Carla Rodrigues

31.10.18

Quando, em "Luto e melancolia", Freud deixa em aberto a medida do tempo necessário para superar o luto, esse talvez seja o melhor antídoto contra um dos maiores clichês: “a vida continua”, como se uma grande perda devesse e pudesse ser encarada com grande naturalidade.

A cineasta Claire Denis

A mulher no labirinto

José Geraldo Couto

29.03.18

Afinal, o que quer uma mulher? A pergunta, que tem desconcertado tantos homens sabidos, de Sigmund Freud a Caetano Veloso, às vezes recebe uma resposta enganosamente simples: amor. Pois essa resposta leva a outra pergunta, ainda mais complexa: e o amor, o que é? Por esse labirinto de interrogações que geram outras interrogações trafega o novo filme da francesa Claire Denis, Deixe a luz do sol entrar.

O inominável atual

Kelvin Falcão Klein

05.02.18

Todo leitor dedicado tem seus autores de estimação, aqueles que acompanha, que busca ler na íntegra. No meu caso, o italiano Roberto Calasso é, sem dúvida, um deles. Um dos principais atrativos de sua escrita é a capacidade que tem de fazer do leitor uma sorte de participante. Trabalhando a partir de lacunas e elipses, faz o leitor preencher os espaços vagos a partir do próprio repertório (como a antiga máxima que diz que a música se dá nos silêncios entre uma nota e outra).

Quando as palavras mudam

Carla Rodrigues

08.05.17

Se era verdade que a escolha de cada significante dizia alguma coisa a meu respeito, hoje praticamente posso escrever mensagens de texto inteiras em que a escolha das palavras se dá pelos algoritmos que ensinaram o sistema a repetir o meu repertório. O ato falho vai sendo, assim, substituído pelo erro do “autocompletar”. Se com Freud havíamos aprendido a “repetir, elaborar, recordar”, um século depois talvez a tríade esteja sendo superada por novas formas de submissão aos algoritmos.

Tradução, poética do improvável

Rogério Bettoni

10.11.16

Talvez essa seja a primeira lição que a gente aprende quando começa a traduzir: que tradução é “quase a mesma coisa”, princípio que dá título a um livro de Umberto Eco sobre o tema. E qualquer livro que caia nas mãos de um tradutor iniciante será um desafio de redescoberta da linguagem e de suas possibilidades, seja um livro de autoajuda, um romance cor-de-rosa ou um texto de filosofia.

Deus não sabe rir de si

Bernardo Carvalho

11.11.15

O que o perverso está dizendo é que ele está mais próximo de Deus do que dos homens, a verdade está com ele, pois só obedece aos seus instintos. Acontece que, como na lei de Deus, também há uma contradição de base na lei dos instintos e é essa contradição que a obra de Sade escancara, de modo a tornar-se trágica: se o meu instinto diz que devo seguir meu prazer para além de todos os limites, até o assassinato, por exemplo, também tenho que pressupor que os outros ao meu redor, seguindo seus próprios instintos, também poderão me matar por prazer. 

Cronenberg: a escrita e a carne

José Geraldo Couto

27.04.12

Todo o filme será um desdobramento desse embate: de um lado, as forças vivas e por vezes obscuras da carne; de outro, a busca pela compreensão e controle dessas forças pelo discurso lógico. Freud e Jung são as mentes em busca da resposta. Sabina é a pergunta. Claro que, a partir de certo momento, também ela busca o esclarecimento, mas seu corpo - incluindo o cérebro, órgão mais nobre - segue sendo o campo de batalha central desse drama terrível.