* Tem início neste post uma conversa entre os escritores e cronistas Xico Sá e Joaquim Ferreira dos Santos, que trocarão correspondências no blog.
Clique aqui para ler a carta seguinte.
Caríssimo Joaquim,
Manhã, tão bonita manhã. E não é, amigo, que me pego, com o bico desafinado dos amantes otimistas, assobiando bestamente esta canção!
Manhã, tão bonita manhã.
Entre os homens sérios e as exímias secretárias bilíngues da avenida Paulista. Um dia feio que só eu, caríssimo, e do nada, manhã, tão bonita manhã.
Do nada, vírgula, bem sabes, que viver não é assim à toa como queria a cotovia.
Foi pela maneira que ela fechou a porta, Joaquim. Manjas?
Tu sabes quando a porta pesa, quando a porta range, quando a porta se nega à mecânica natural das dobradiças do adeus e até do adeusinho? Bem sabes, Joaquim.
Bem sabes, amigo, que no tempo do ficar quase nada fica. Nem o amor daquela rima antiga.
A noite nem foi essas coisas todas, meu caro. Fui o devoto de sempre, mas creio que joguei como time pequeno fora de casa. Intimidado. Sim, Joaquim, trata-se de uma daqueles mulheres tão gostosas, tão cobiçadas, que nos metem medo. Mesmo que o camarada seja um fiel seguidor da cartilha do Vinícius e faça bom uso da oralidade, assim como também o bom uso das falanges, falanginhas e falangetas.
Não apenas uma mulher, amigo. Um colosso. Sabes do que estou falando. E cheirosa, como era cheirosa, Joaquim. A seiva do apocalipse, Joaquim, bem sabes.
Inteiraça, Joaquim, mas com aquela humaníssima hipótese de barriguinha da qual falava o supracitado poeta. Que haja uma hipótese de barriguinha. E havia, Joaquim.
Não apenas a batida da porta, amigo, mas o café quente da manhã embaçou meus óculos de alguma abestalhada comoção.
Os amantes apressados de São Paulo, meu caro, não tomam mais café da manhã, sabias? Essa moça foi diferente, me deu até mamãozinho na boca e eu me derreti qual a manteiga Aviação no pão na chapa.
Sei lá, amigo, aquela porta me disse coisas, me chamou para dentro da vida, para dentro da história, para dentro da moça.
Tenho ou não motivos, meu cronista predileto, para flanar, na cinza manhã paulistana, da Consolação ao Paraíso?
Saudações de lirismo permanente, um abraço forte, teu amigo Xico.
* Na imagem que ilustra a home: a Avenida Paulista retratada por Herbert Kajiura (http://www.flickr.com/photos/hkajiura/469272501/)