Whaam!

Artes

03.03.13

Das duas últimas vezes em que estive na Tate, fui ver pontos. Primeiro os pontos da artista japonesa Yayoi Kusama. Uma maravilha. Pontos para todos os lados. Quem conhece o trabalho dela sabe do que estou falando e quem ainda não viu, por favor, entre no site oficial. Os pontos extrapolam as molduras, invadem os espaços e se perdem e se organizam no ar. Eles são tudo na vida desta mulher que hoje vive num hospital psiquiátrico e que começou a carreira nos anos 60 em Nova Iorque. Mas os pontos que vi agora na mesma galeria são outros. Vem das mãos do americano Roy Lichtenstein (1923-1997) e além de ficarem “fechados” nas molduras, são mais simétricos e pensados, mas nem por isso deixam de ser intrigantes e interessantes.

Whaam!, 1963

O artista que começou a carreira com pinturas expressionistas e abstratas e depois foi reconhecido como pop é celebrado na Tate Modern, em Londres, com esta retrospectiva com mais de 120 trabalhos divididos em 13 salas. Logo no começo da exposição vemos o quadro Look Mickey, 1961 baseado nas imagens de Walt Disney e que é considerada a sua primeira pintura pop. Depois, vemos a fase em preto e branco e chegamos na sala que exibe os trabalhos mais conhecidos pelo grande público, da chamada fase “War and Romance”. Estão lá os quadros Whaam!, 1963Ohhh?Alright?, 1964Oh, Jeff?I love you, Too?But?, 1964. Todos baseados nas histórias em quadrinhos e pintados com cores primárias. Os quadros são fortes, vibrantes e intensos. Não é à toa que são justamente estas as imagens mais presentes na loja dedicada ao artista onde você pode comprar camisetas, case para laptop, almofada, xícara, blocos e sacolas. Mas aí chegamos na sala das paisagens. Essa série não lembra em nada a vivacidade e os dramas da sala anterior. As paisagens são calmas, tranquilas, plácidas, limpas, simples. O artista nos surpreende como mantém a mesma identidade com pinturas tão distintas.

Oh, Jeff? I love you, Too?But?, 1964

Em paralelo ao seu trabalho inspirado pela cultura visual contemporânea dos quadrinhos e da propaganda, Lichenstein começou um diálogo permanente com os artistas do passado. Seja através de apropriação, ou paródia, a exposição nos mostra obras de arte  em que ele mistura seu estilo com estilos históricos. Artistas como Picasso, Matisse e Mondrian convivem com os pontos e as cores de Lichenstein. Uma boa e divertida mistura. O melhor, na minha opinião: Reflections on Interior with Girl Drawing, 1990.

Reflections on Interior with Girl Drawing, 1990

Sala após sala, a exposição presta uma bela homenagem a obra do artista, celebrando o poder visual e rigor intelectual do trabalho Roy Lichtenstein. Entre 1973 e 1974, ele pintou quatro quadros enormes para a série Artist’s Studio. Três deles estão expostos na sala 8 pela primeira vez desde que foram exibidos em Nova York em 1974. Já no final de sua carreira, o artista abordou um dos gêneros mais antigos da arte, o nu. Mas, ao contrário de muitos artistas, Lichtenstein não usava modelos vivos. Para criar suas mulheres nuas, voltou para o seu arquivo de recortes de quadrinhos para selecionar as personagens e então literalmente despiu-as usando apenas a imaginação.

A última sala fecha um ciclo na vida do artista e tudo parece fazer sentido. Ele era fascinado com a simplicidade da arte chinesa. Em 1995, retornou ao gênero paisagem e criou mais de 20 obras em homenagem aos quadros altamente estilizados da dinastia Song. Landscape with boats, de 1996, reflete um momento sereno dos últimos anos de vida do artista. Os aspectos de suas pinturas ilustrativas pop começam a diminuir e as linhas de contorno das figuras desaparecem. Lichtenstein apresenta uma delicadeza pura. Dá para perceber que a dureza dos pontos precisa mais dos traços simples para ser mais leve. O artista coloca mais vida na obra e mais espaços em branco. O trabalho fica suave, claro e, por que não dizer?, mais bonito.

* Leticia Nascimento é jornalista e mora em Londres.

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