Paul Schrader, inventor de infernos

No cinema

14.09.12

Filho de calvinistas severos, Paul Schrader – que vem ao Brasil este mês, trazido pelo Museu da Imagem e do Som de São Paulo – não pôde ver nenhum filme até completar dezoito anos. Um novo horizonte se abriu então: abandonou o projeto familiar de se tornar pastor e foi estudar cinema na Califórnia.

Seja como roteirista ou como diretor, seu cinema está marcado profundamente por essa trajetória singular. No centro de suas ficções há sempre um homem (mais raramente uma mulher) transido por dilemas morais, buscando alguma forma de transcendência em meio às condições mais adversas. É como se Schrader engendrasse infernos para neles jogar suas criaturas e depois dar-lhes a chance da redenção.

Uma limitada mas significativa retrospectiva de filmes escritos e/ou dirigidos por Schrader colocará nas telas a partir de 18 de setembro um punhado desses motoristas de táxi, gigolôs, boxeadores e traficantes em crise. Veja aqui a programação completa da mostra.

O calvinista e o católico

Ficaram de fora alguns títulos importantes, como A última tentação de Cristo (Martin Scorsese, 1988) e Mishima (Schrader, 1985), mas estão programadas algumas preciosidades, do primeiro filme que Schrader roteirizou, Operação Yakuza (Sydney Pollack, 1974), até o mais recente que dirigiu, Memórias de uma guerra (2008).

Os pontos altos, claro, são suas bem-sucedidas parcerias com Martin Scorsese – Taxi driver (1976), Touro indomável (1980) -, mas também Trágica obsessão (Brian DePalma, 1976) e o subestimado Gigolô americano (1980), talvez o melhor filme dirigido pelo próprio Schrader. Vista com atenção, a errância do gigolô vivido por Richard Gere pelas ruas de Los Angeles não difere muito das rondas noturnas do taxista encarnado em Nova York por Robert De Niro. Aqui, o trailer original:

http://www.youtube.com/watch?v=VRSvVc48-Rk

É curioso que o calvinista Schrader e o católico Scorsese tenham se encontrado no tema da queda e da redenção. Ambos criadores profundamente morais numa sociedade cada vez mais amoral, ambos órfãos do sagrado num mundo sem Deus.

Não por acaso, antes de se dedicar profissionalmente a escrever roteiros e dirigir filmes, Schrader escreveu um livro, Transcendental style in film, sobre o cinema de Ozu, Dreyer e Bresson, autores que buscavam, cada um à sua maneira, o espiritual no mundo físico, o transcendente no imanente, o eterno no fugaz. Tomara que a retrospectiva do MIS e a vinda do cineasta incentivem alguma editora brasileira a publicar o livro entre nós. Por enquanto ficamos com o cinema irregular, visceral e atormentado de Paul Schrader.

* Na imagem que ilustra o post: o cineasta Paul Schrader.

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