Performances perfeitas

Correspondência

01.10.12

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Fabrício, querido,

Tudo bem por aí? Espero que sim. Hoje estava precisando de um abraço teu, porque acordei com um buraco no peito do tamanho de uma bala de canhão. Sacanagem acordar assim e ainda ter que funcionar… Sei que não é de bom-tom demonstrar tristeza em público; mais adequada à boa digestão social neste país é uma aparência de felicidade que pontue no mínimo cinco numa escala de zero a dez, mesmo que o termômetro interno esteja marcando menos vinte. Mesmo que esteja enfiado no seu derrière. Um brinde de café, portanto, às performances perfeitas. E que eu possa ser um ser humano melhor, levando paz, harmonia e sanduíches de pepino aonde quer que vá.

Aparentemente não devo ter frilas o suficiente, porque encontro tempo para meditar sobre a poesia contemporânea e pesquisar na internet endereços de granjas orgânicas que aceitem voluntárias em troca de cama e comida. Existem várias no Brasil. Tem uma no RS, inclusive, em Picada Café, um dos meus municípios-gaúchos-fetiche. Outro é Faxinal do Soturno. Ainda vou conhecer os dois. Podia haver um castelo em Faxinal, né, e uma princesa Maria von Thurn und Transportes Públicos Ltda. que me hospedasse e pagasse um pequeno estipêndio para gastos com a Amazon. Mas não há.

Reli o teu e-mail e a hipótese sobre por que poetas de agora (eu me referia sobretudo aos novos e novas) não escrevem muito sobre sexo, e concordo em parte contigo. É difícil mesmo escrever sobre o assunto sem ficar cafona, ingênuo ou banal. Mas isso não será também uma limitação da poesia? Certos temas não cabem direito? Sexo. Política. Há uns meses conversei com dois amigos poetas sobre a possibilidade de escrevermos sobre Belo Monte, e de como parecia difícil algum poema bom sair dali. Poema de circunstância, nnnnãão! Eu escrevi um poema sobre Belo Monte, mas com invasão alienígena e cenário de fim do mundo tudo junto pelo preço de um ingresso. Porque é a minha opinião, mas ninguém perguntou, enfim: o ser humano é a pior coisa que já aconteceu na face da Terra, e só uma invasão alienígena ou um asteroide pra dar jeito… O Kurt Vonnegut Jr. falou, numa entrevista, que ele acreditava que o sistema imunológico da Terra estava tentando se livrar da gente. Talvez alguma hora dessas consiga. In the meantime, vamos ler muito sobre lacraias de jade e arrebóis.

Mas o que eu queria dizer é:  me esqueci. Putz, me esqueci do que eu ia te dizer, ou mais importante, de como ia te dizer isso. Talvez seja melhor nem… Peraí, era alguma coisa sobre a importância da poesia no Brasil… Ahm. Ter, tem, mas eu me esqueci agora… Mas será o pé da cobra? Talvez fosse te dizer uma coisa nesta linha: a poesia só está atendendo… às quintas-feiras? Não, não: a poesia só está atendendo… à necessidade do poeta, que é a de ser publicado? Mas pode ser que fosse outra coisa. A poesia ainda é o espaço para dizer… Como é lindo o arrebol, e ainda há poetas míopes que pensam que é o pôr-do-sol.

E chega, meu rouxinol.

Beijo e tchau,

Angélica

PS: Semana que vem tô aí em SP. E dia 10 lanço o livro novo. Mas antes disso estreio como mesária nas eleições municipais.

PPS: Você viu a reportagem que o Bressane escreveu sobre a minha cidade?  Tô lá, com o Odyr e o Vitor Ramil. Se há dez anos me contassem que eu iria aparecer numa reportagem ao lado do Vitor e do Odyr, não acreditaria. Pra você ver. Bom, acho que ainda não acredito direito.

* Na imagem da home que ilustra esse post: a cidade de Picada Café.

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