Minnesota Nice e o cinismo alto astral dos irmãos Coen

Cinema

09.08.12

Começa nesta sexta-feira (10/8), no CineSESC, a retrospectiva Irmãos Coen – Duas Mentes Brilhantes, que se dispõe a passar toda a filmografia daqueles que talvez sejam os maiores diretores do atual cinema norte-americano. Ethan e Joel Coen dividem suas funções respectivamente como produtor e diretor de todos seus filmes por questões puramente técnicas. Na verdade, os dois trabalham juntos em todos os estágios da produção de seus filmes – roteiro, produção, edição, direção -, inclusive próximos de suas esposas (a atriz Frances McDormand, protagonista de vários de seus filmes, é casada com Joel e Ethan é casado com Tricia Cooke, editora de parte dos filmes dos irmãos).

A filmografia dos Coen pode ser assistida como uma longa obra sobre uma faceta peculiar da cultura norte-americana – que é caipira e simpática, mas pode ser violenta e hipócrita. Uns Estados Unidos do meio-oeste, um tanto white trash e um tanto psicótico, em que malas cheias de dinheiro, mercenários em fuga e armas de todo calibre desencadeiam histórias de detetive no lar de famílias de bem. Seus filmes atravessam o século retratando diferentes facetas deste norte-americano que não é descolado como o nova-iorquino nem relaxado como o californiano, mas vive confortável e sorridente entre os medos e os preconceitos que alimentam a rotina daquele país. Do musical E aí Meu Irmão Cadê Você ao chapadaço Big Lebowski, passando pelo árido Onde os Fracos Não Têm Vez e o cru Gosto de Sangue, assistimos a diferentes enquadramentos sobre o que realmente pode ser o cidadão norte-americano – e a essência dos EUA.

E talvez o melhor exemplo entre todos seus filmes  seja Fargo – que pode não ser o maior filme da dupla, mas é a obra que a apresenta para um público maior. Não foi à toa que Billy Crystal perguntou “quem são vocês?” quando os irmãos foram receber o Oscar de melhor roteiro pelo filme de 1996. Fargo se passa na Dakota do Norte, um estado descrito pelos próprios Coen como “a Sibéria com restaurantes de família”, e conta a história de um sequestro que poderia ser baseado em uma história real – uma história que os próprios Coen não desmentem nem confirmam.  Ele é dissecado no irresistível documentário de meia hora abaixo, que joga novas luzes sobre aspectos que deixamos em segundo plano, mesmo quando assistimos a Fargo mais de uma vez.

http://www.youtube.com/watch?v=2Z_Q3Fm-AII

Um destes aspectos mais específicos – e peculiares – do filme é um termo chamado “Minnesota Nice”, ligado ao estado de origem dos Coen. Em Fargo, eles descrevem um aspecto cultural que não é apenas um sotaque ou uma forma de se manifestar. É todo o  comportamento  dos moradores do Estado que fica no centro-oeste do país, ao norte, fazendo fronteira com o Canadá.

Dá para passar batido pelo Minnesota Nice, ainda mais não sendo nativo norte-americano. O sotaque, a musicalidade específica da fala, chama atenção até de quem não fala inglês. Mas a  polidez quase caricata precisa ser observada. Ela é uma forma de comunicação, uma série de regras de diálogo e comportamento que vão dar num estereótipo que, em alguns momentos, pode parecer bem familiar para um brasileiro – apesar de a origem do Minnesota Nice ser atribuída aos imigrantes nórdicos, como noruegueses e suecos, bem pouco frequentes no Brasil.

O Minnesota Nice é em primeiro lugar um código de gentileza. No documentário Saying there’s no Minnesota Nice, would not be nice (Dizer que não há Minnesota Nice não seria legal), um morador do Estado resume, com simplicidade, em 9:42, o estilo-comportamento-estereótipo em pauta:

http://www.youtube.com/watch?v=21XrSZQc-yk

“Sao coisas de senso-comum, que nós achamos naturais, coisas como por favor e obrigada”. A segunda característica mais citada é o contato visual. “Vá a outros Estados norte-americanos e você não virá esse tipo de coisa”. Até aí, tudo lindo.  Agora tente discordar de alguém, e até os locais, os minnesotanos?, admitem: Não haverá discordância, apenas um “ok, essa é a sua opinião”. No entanto, garatem alguns, se um dos lados insistir e a discordância ficar clara, pode virar inimizade e até ódio.

E tente se despedir de alguém. O ritual do tchau pode levar de 15 a 45 minutos, como relatado no mesmo documentário. E nesse ritual haverá de se comentar o tempo – esfriou, esquentou, parece que vai nevar.

Se tudo isso aponta numa mesma direção – a de uma hipercordialidade que poderia ser atribuída também aos moradores do Sul dos EUA ou a todos os midwesterns, ou até se misturar à cordialidade estereotípica do brasileiro – aí vem a torcida de rabo da porca: esse pacote vem somado a uma clara reserva, um cada um na sua vida, faça-o-que-quiser-que-eu-não-tenho-nada-com-isso. Há inclusive uma leitura que vê nesse comportamento uma hipocrisia velada, sarcasmo puro, um sorriso cínico para manter o status quo.

Está aí a diferença entre o legal de Minnesota e a tia Nenê que todo mundo tem. A tia Nenê não sabe direito ser sarcástica.

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