Nesta quarta, 2 de outubro, às 20h, o IMS-RJ abre a exposição Tacita Dean: a medida das coisas, primeira individual da artista inglesa na América Latina e elaborada especialmente para o público brasileiro. São 11 filmes e sete obras em papel, trabalhos emblemáticos na trajetória da artista. Também serão exibidos gravuras e trabalhos inéditos feitos a partir de fotografias e postais antigos do Rio de Janeiro. Na abertura da exposição, Tacita Dean falará sobre sua obra numa palestra aberta ao público.
Percebi que não sei o que significa “analógico”. Queimo as pestanas tentando encontrar uma definição. “Analógico”, parece, é uma descrição – uma descrição, de fato, de todas as coisas que me são caras. É uma palavra que significa proporção e semelhança, e é, de acordo com certa explicação, a representação de um objeto que lembra o original; não uma transcrição ou uma tradução, mas um equivalente em uma forma paralela: continuamente variável, mensurável e material. Tudo que podemos quantificar fisicamente é analógico: comprimento, largura, voltagem e pressão. Telefones são analógicos; os ponteiros dos relógios, que giram com a rotação da terra, são analógicos; escrever é analógico; desenhar é analógico. Até rasurar é analógico. O pensamento também se torna analógico quando é materializado numa forma concreta; quando se transmuta em linhas no papel ou marcas num quadro. É como se meu estado de espírito fosse analógico quando eu desenho: meu devaneio inconsciente manifesta-se como uma impressão numa superfície.
“Analógico” sugere um sinal contínuo – um continuum e um percurso -, ao passo que “digital” constitui o que está fragmentado, ou melhor, decomposto em milhões de números. Eu não deveria esquivar-me do mundo digital, porque ele é, claro, o grande facilitador do imediatismo, da reprodução e da conveniência e radicalizou nossos tempos de forma indescritível. Contudo, para mim, ele simplesmente não apresenta meios para criar poesia; também não respira nem cambaleia, mas bota ordem em nossa sociedade, corrigindo-a sem deixar vestígios. Fico imaginando se seria por não ter surgido do mundo físico, por ser impenetrável e intangível. Está muito distante do desenho, onde a fotografia e o cinema têm suas raízes: a impressão da luz na emulsão, a alquimia das circunstâncias e a química, marcas em seu suporte. Estamos sendo forçados a marchar rumo a uma revolução efervescente sem volta, sem um suspiro ou um aceno para tudo que estamos perdendo. E esse é o ponto, o que estamos perdendo é uma imensidão de riquezas, e por enquanto estamos decidindo não substituí-las adequadamente. Estamos abrindo mão de nossa capacidade de fazer um simulacro quase perfeito de nosso mundo visual, que o digital ainda não consegue replicar, apesar da crescente proliferação de pixels; e fazemos isso voluntariamente.
Recentemente, me reuni com Annie Chaloyard, da Kodak Industrie em Chalon-sur-Saône, e perguntei a ela por que a Kodak estava se rendendo tão rapidamente e sem resistência ao presunçoso agressor digital e tinha parado de produzir filmes 16 mm. Ela respondeu, com tristeza, que ninguém mais parece notar a diferença: a geração da era do digital logo não saberá mais o que são películas de celuloide ou negativos fotográficos. Sempre é preciso uma geração para o esquecimento.
Por sorte, ainda há demanda por raios-x, e toda a proficiência, afinada ao longo de várias gerações da força de trabalho da Kodak, ainda está sendo empregada na fabricação de película de poliéster e emulsão para radiologia. De um azul viscoso sólido até uma evanescente transparência, a fabricação de películas é uma viagem de beleza sublime, que eu nunca teria conhecido se não fosse sua obsolescência incipiente. A película é esticada como uma linha por circuitos intermináveis que percorrem toda essa imensa fábrica, puxada em grande velocidade para cima e para baixo e passando por cilindros, delineando e definindo uma forma e um processo de grande sofisticação e esplendor científico. As luzes estavam acesas no dia em que filmamos lá: blanc, como eles disseram, iluminando o mundo interior de uma forma que não costumava ocorrer. Estavam fazendo testes com papel pardo, com certo mistério, para algum experimento confidencial ou como uma demonstração para nós, eles não iriam dizer. Quando o papel começou a rodar, ressaltando, pelo contraste, o percurso habitual da película, sua opacidade bloqueou a luz, como se a desligasse. Tudo o que estava iluminado ficou sem graça, e a cena ficou comum. Depois que o papel concluiu seu ciclo, o filme e a luz foram restaurados.
Todas as imagens: © Tacita Dean/ Cortesia da artista; Frith Street Gallery, Londres e Marian Goodman Gallery, Nova York/Paris.