A exposição Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro, em cartaz em São Paulo a partir do dia 9 de abril, apresenta 100 obras de Raphael Domingues (1912-1979) e Emygdio de Barros (1895-1986), com curadoria de Rodrigo Naves e Heloisa Espada. Diagnosticados como esquizofrênicos, ambos frequentaram o ateliê de artes do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) do então Centro Psiquiátrico Nacional, no bairro carioca do Engenho de Dentro. No período de 1946 a 1951 foram assistidos pelo artista Almir Mavignier, expoente do concretismo. As cartas abaixo, datadas de novembro de 1949, fazem parte da correspondência entre Almir e Emygdio:
Emygdio de Barros
Caro Almir, saudações.
Há muito tempo foi para S. Paulo e ainda não voltou, mas continuamos internados nas mesmas condições, vindo diariamente no mesmo interesse do que quando você ainda aqui se achava? Tenho pintado mais quadros, mais dois. Aquele que o senhor deixou à parede ainda não foi terminado, mas está ficando muito bonito.
Tenho sido pago todas as quinzenas deixando para ser guardadas as quantias no banco, esperando com isso obter uma reserva bem valiosa que chegue para darmos um passeio ao Rio de Janeiro e à Parahyba e à capital federal.
Sempre demonstrei desejo de morarmos em uma casa, para a qual nós mesmos fazemos as despesas mensais e manutenções dos volumes de despensa, o que torna bem agradáveis e leves os afazeres domésticos, trazendo, ao decorrer de alguns anos, mais e mais felicidades.
No mais, sr. Almir, desejo vos ver sempre como sempre foi, com alegria, assim como a mim e subscrevo-me
Emygdio de Barros
11/11/1949
Almir Mavignier
São Paulo, novembro de 1949.
Estimado amigo Emigdio,
Saudações.
Espero que esta carta lhe encontre muito bem de saúde, como sempre, e trabalhando nesse belíssimo quadro.
Eu havia combinado com você de aprontá-lo para a nossa exposição aí no Rio, mas como conheço o seu método de trabalho quero que você não se importe com isso, não se preocupe com o nosso trato, mesmo porque, se um pintor quando trabalha o faz para si mesmo, imagine só um mecânico torneiro quando pinta, não deve pensar em exposições. Porém, se a pintura já estiver bem bonita, pare-a, por favor, descanse e, se quiser, inicie uma outra encomenda.
Agora vou lhe dar notícias daqui.
Os seus quadros: Universal, Alto da Boa Vista, Municipal e principalmente a Oficina mecânica têm despertado muita emoção, e o povo quando admira os trabalhos de todos vocês pergunta como é que vocês vivem, como se alimentam e se o tratamento que lhes dão é bom, e todos acham que se deve tratar os artistas como vocês da melhor maneira possível, e acrescentam que não somente os artistas, mas todos vocês, que são iguais a nós.
Alguns pintores de São Paulo desejam fazer uma exposição de pinturas aí no Rio e lhe mandam convidar para participar com alguns dos seus quadros nessa importantíssima mostra. Eles se sentiriam honrados com a sua companhia.
Um grande abraço do seu companheiro que espera resposta,
Almir
[Obras, fotografias e documentos aqui reproduzidos pertencem ao acervo do Museu de Imagens do Inconsciente].