David Drew Zingg (1923-2000) já era um fotógrafo conceituado nos Estados Unidos quando conheceu o Brasil. Trabalhara para revistas como Look, Esquire e Vogue, e já tinha fotografado personalidades como John Kennedy. Em 1959, desembarcou no Rio de Janeiro como integrante da equipe do veleiro Ondine na corrida oceânica Buenos Aires-Rio, que também estava cobrindo para Life e Sports Illustrated. Iniciou ali uma paixão que logo se tornaria exclusiva, com sua mudança definitiva para o país no início da década de 1960.
Registrou momentos fundamentais da bossa nova, como a estreia do show “O encontro”, que reuniu em 1962, na boate Au Bon Gourmet, no Rio, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto e Os Cariocas. Foi neste show que “Garota de Ipanema” veio ao mundo.
Zingg retratou grandes nomes da cultura e da vida brasileiras: Pixinguinha, Dorival Caymmi, Tom, Vinicius, Chico Buarque, Caetano Veloso, Leila Diniz, Guimarães Rosa, Oscar Niemeyer, Juscelino Kubitschek e muitos outros.
“É como se, ao tentar flagrar a alma privada de grandes brasileiros (…), ele retratasse uma espécie de alma coletiva do brasileiro ou da brasilidade”, escreveu o jornalista Matinas Suzuki Jr., um de seus grandes amigos, no programa da última exposição realizada por Zingg, em 1999, no Senac-SP.
Nas muitas viagens que fez pelo país, fotografou pessoas anônimas, costumes e lugares, documentando um Brasil que raramente aparecia na TV ou chegava ao grande público. Da Brasília ainda em construção às biroscas do interior, passando pela Passeata dos Cem Mil e por cenas cotidianas de pequenas e grandes cidades, Zingg montou ao longo de quatro décadas um painel peculiar e precioso do país que amava – sem, também, deixar de criticar.
“Por meio do exercício obstinado de uma paixão por essa multiplicidade complexa que se chama ?um país’, ele tentou dar existência para sempre a uma graça, uma vivacidade, uma elegância, um charme particularíssimo de certos personagens do país chamado Brasil”, escreveu Matinas no mesmo texto de 1999.
Esse riquíssimo painel chegou ao Instituto Moreira Salles em 2012, através de comodato realizado com seus descendentes. Está passando por um cuidadoso inventário que se estenderá ao longo deste ano. São mais de 150 mil imagens, entre cromos, negativos e cópias em papel, predominando as fotos em cor.
Estavam em 40 caixas. Outras 40 abrigam objetos, recortes e sua biblioteca, material que também será inventariado. Zingg não foi apenas fotógrafo, mas também consultor e cronista do jornal Folha de S. Paulo, escrevendo, de 1987 a 2000, a coluna “Tio Dave”, e ainda participou da banda Joelho de Porco.
“O inventário nos permitirá estabelecer uma cronologia das imagens, além de enxergar os vários aspectos de seu trabalho, que era muito variado. Ele ficou famoso por seus retratos, mas produziu uma importante iconografia da cultura popular”, afirma Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS.
O próprio Zingg escreveu: “Fotografia é história, e é essa sua função fundamental. A máquina mostra os dias de hoje àqueles que queiram ver os dias de hoje. Mas a máquina também mostra o ontem àqueles que queiram aprender. (…) O dever de um fotógrafo no Brasil, me parece, é insistir no registro do sofrimento e do prazer, do belo e do irônico. Só o tempo e o público decidirão o significado que as fotografias realmente têm”.
Como acontece com todos os acervos sob a guarda do instituto, haverá um rigoroso trabalho de higienização do material, para que ele fique em perfeito estado. Mas, paralelamente a tudo o que é preciso fazer dentro da reserva técnica, a obra de Zingg começará a ser mostrada ao público. Projetos de envergadura serão criados e o site do IMS apresentará, em determinados momentos, partes desse acervo precioso.
Abaixo estão 20 fotos, sendo 19 feitas no Brasil e uma, a de Kennedy, nos EUA, antes da mudança de país. Servem como amostra da importância estética e documental da produção de Zingg, um nome decisivo na história visual do país. O Instituto Moreira Salles começa a apresentar com muito orgulho esse material.
Pixinguinha e João da Bahiana, 1967, Rio de Janeiro
Ataulfo Alves, 1967, Rio de Janeiro
Gonzaguinha e Ivan Lins, 1970
Edu Lobo
Chico Buarque em um bar, entre as décadas de 1960 e 1970 (Rio de Janeiro – RJ)
Jaguar
Elke Maravilha, 1975
John F. Kennedy, 1960 (Hyannis port – EUA)
Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr,, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha e Leon Hirszman, entre as décadas de 1960e 1970
Guimarães Rosa no Itamaraty, na década de 1960
Bairro da Penha, 1980 (Rio de Janeiro – RJ)
Rodoviária do Plano-Piloto, entre as décadas de 1960 e 1970 (Brasília – DF)
Cardápio escrito no vidro e reflexo do fotógrafo em segundo plano, s/d
Vila Itororó, 1986 (São Paulo – SP)
Lambe-lambe, 1960 (Brasília – DF)
Adesivos com slogan durante governo Médici, 1970
Palacete Pinto, 1979 (Belém – PA)
Ala das baianas da Estação Primeira de Mangueira, em 1978
Vista aérea da Cidade de São Paulo, com o edifício Copan à esquerda, entre décadas de 1970 e 1980
Autorretrato, década de 1980
Veja outras imagens de David Drew Zingg no acervo fotográfico do IMS.