A vocação de madre Maria Teresa – quatro perguntas a Frei Betto

Quatro perguntas

20.07.11

Morreu aos 82 anos no último dia 1º, em São Paulo, a madre Maria Teresa, da Ordem de São Bento. Nascida em 1929, em Petrópolis-RJ, com o nome de batismo Lia, Maria Teresa foi admitida aos 22 anos como monja enclausurada no mosteiro beneditino de Santa Maria, em São Paulo. Assim, começava a dedicar-se inteiramente a uma vocação que dizia ter percebido desde criança.

Filha de Alceu Amoroso Lima (1893-1983) – cujo pseudônimo literário era Tristão de Ataíde -, Maria Teresa recebeu do pai – que a chamava de Tuca – com regularidade diária uma extensa epistolografia (de quase quatro mil cartas) durante mais de 30 anos. Um parte desse material foi selecionado com seu aval pelos irmãos Alceu Filho e Silvia e publicado pelo Instituto Moreira Salles em Cartas do pai.

Outra coletânea dos escritos de Alceu Amoroso Lima vem sendo preparada pelo IMS para um novo volume, com organização de Frei Betto, que nesta entrevista responde sobre esse trabalho e a trajetória de madre Maria Teresa.

 

Desde criança, a madre Maria Teresa tinha plena certeza sobre sua vocação religiosa. Qual foi a sua trajetória e importância no mosteiro de Santa Maria?

Maria Teresa, por ser filha de dr. Alceu Amoroso Lima, respirava uma fé cristã aberta, ecumênica, sensível às questões sociais. De modo que sua presença no mosteiro Santa Maria, sobretudo após se tornar abadessa [em 1978], representou uma lufada de novos ventos. Foi iniciativa dela transferir o mosteiro do centro da capital paulista para a periferia, de modo a permitir à comunidade mais silêncio e melhor aprofundamento espiritual e intelectual. O mosteiro permaneceu sempre como um polo de irradiação apostólica, acolhendo pessoas de todas as idades e profissões para aconselhamento, retiros etc.

 

Na correspondência editada pelo Instituto Moreira Salles, remetida por um pai e sobretudo por um intelectual de amplos interesses, somente conseguimos ver a madre Maria Teresa como uma confidente. Como o senhor vê o seu papel de interlocutora nesse processo?

Talvez um dia chegue aos leitores as cartas de madre Maria Teresa. É hora de consultar a família a respeito delas. Seria muito interessante a dimensão dialógica da correspondência entre pai e filha. De qualquer modo, dr. Alceu, como homem de visão que era, tinha plena consciência de que não escrevia apenas à filha, escrevia à história, como testemunho de uma vida – a dele, tão intensa e rica – e de uma época.

 

O primeiro volume das cartas publicado pelo IMS compreendeu um período que se estendeu de julho de 1958 a dezembro de 1968 e registrou fatos decisivos da história brasileira. Qual material e época o segundo tomo vai enfeixar e que temas devem chamar a atenção do leitor?

O segundo volume abrange as cartas de janeiro de 1969 a fevereiro de 1970, portanto o acirramento da ditadura militar. É o tema predominante nas cartas daquele período, bem com a vida eclesial, ativa no Brasil e conservadora em Roma, e os bastidores da Academia Brasileira de Letras.

 

Alceu Amoroso Lima foi um dos grandes representantes da resistência ao regime militar brasileiro. É igualmente conhecida sua atuação como pensador católico. Como o senhor vê essas duas vertentes desse espírito combativo?

Nas cartas do segundo volume, dr. Alceu demonstra estar plenamente ciente de que é criticado pela ala conservadora católica, liderada por Gustavo Corção, como heterodoxo e pró-comunista, bem como pela ala progressista engajada diretamente na luta contra a ditadura, por ser um intelectual de origem burguesa mais interessado nas reuniões da Academia Brasileira de Letras que nas mobilizações que congregavam artistas e intelectuais. O fato irretocável, entretanto, e que as cartas comprovam, é que dr. Alceu cavou, com seus artigos e crônicas para jornais, e conferências, uma trincheira própria de combate ao regime militar e, ao mesmo tempo, de arejamento do catolicismo em nosso país.

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