Vou ao cinema assistir a Star Wars. Entre trailers de blockbusters, todos esbanjando super-heróis na luta contra o apocalipse, é exibido um filme publicitário que discorre, com o auxílio da voz emocionada de uma atriz conhecida, sobre as boas coisas da vida, as boas lembranças, o amor, a amizade, os êxitos, os encontros felizes da vida real contra a impessoalidade virtual da técnica e das tecnologias. Viro para o amigo ao meu lado e pergunto, confuso: “É propaganda de quê?” “De banco”, ele responde. “Mas onde é que foi parar o dinheiro?”.
Até há alguns anos, as propagandas de banco falavam de investimentos, financiamentos, lucros, poupança, seguros, garantia financeira para o futuro etc. Por ocasião das últimas eleições presidenciais, o mesmo banco já tinha produzido uma propaganda exortando o espírito nacionalista dos brasileiros, também sem falar em dinheiro. Lembrava a publicidade cívica dos tempos da ditadura militar.
O episódio VII de Star Wars é resultado de um negócio de bilhões de dólares, acompanhado de uma espetacular campanha de marketing. Só no primeiro fim de semana, o filme faturou US$ 517 milhões de bilheteria no mundo inteiro. Mas o que o episódio VII exalta (e muito do seu sucesso vem daí) é a sucata e a reciclagem, a impureza, o disforme, o humano, o frágil, o velho e o alternativo contra a assepsia dos fascismos e a desumanização de um mundo regido pela técnica, pelo desperdício, por leis e interesses autocráticos, inconsequentes e frios (não para de nevar no planeta do mal, enquanto a jovem heroína torra no deserto, revirando o lixo para conseguir sobreviver).
Faz tempo que as distopias do cinema americano exaltam o mundo sujo, irregular, pobre, criativo, caótico, diverso, alternativo e subterrâneo das resistências democráticas, a república contra a assepsia inumana do mal. É uma bela autoimagem da democracia contra o ideal normativo das autocracias fascistas. É certo que não faltará quem veja aí um maniqueísmo hipócrita, ou no mínimo um imenso oportunismo, já que essa imagem de diversidade é financiada por bilhões de dólares de uma indústria que não prima por exaltar a diferença, ainda mais quando ela é demasiado diferente, estrangeira e precisa de legendas. O mundo está cheio de contradições, mas não deixa de ser um modo simpático de se servir do dinheiro para a produção de uma imagem politicamente interessante do bem, na qual o papel simbólico da reciclagem vem se tornando cada vez mais central contra os cada vez mais insustentáveis excessos suicidas do capitalismo.
Nesse sentido, até que poderia haver alguma sintonia entre o filme e a propaganda do banco que o precede, se ela não seguisse promovendo uma forma de assepsia, sob o pretexto de mostrar o melhor da vida. E isso a começar pela ausência de qualquer referência ao dinheiro (que, afinal, é o produto que ali se vende), agora visto como coisa suja. Ao contrário do episódio VII de Star Wars, ninguém é pobre, nem esfarrapado, nem feio nesse mundo do melhor da vida que o banco selecionou para você antes de dizer que é banco.
Num jantar recente, quando vaticinei do alto da minha ignorância bêbada e conspiratória um futuro sombrio para a política brasileira, uma senhora me interrompeu com uma frase cujo desespero denunciava a sua falta de convicção: “Os banqueiros não vão deixar!”. Fiquei sem palavras. Estávamos falando de política e religião, de modo que o medo da mulher me levou imediatamente a um paralelismo inusitado: os necessitados buscam nas igrejas o mesmo que os remunerados nos bancos. Cada um recorre ao que pode.
Há muito que a cartilha econômica é a Bíblia dos remunerados. E, como na Bíblia, há coisas que não se discutem. Algumas são mais fáceis de entender do que outras. Todo mundo já entendeu, por exemplo, que o problema do rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de avaliação de risco tem a ver com fatores conjunturais da crise e de uma política econômica desastrosa: o risco da inflação e do desemprego, as medidas fiscais que deveriam ter sido tomadas e não foram por razões de ordem política etc. Um pouco mais difícil é entender a razão pela qual as mesmas agências, que devem levar em conta as condições estruturais da economia de um país antes de fazer suas avaliações, não se interessariam pelo longo prazo. Até outro dia, o país vivia sob a lógica da impunidade e da corrupção endêmica e ninguém rebaixava nota nenhuma por causa disso. Será silogismo concluir que o combate à corrupção faz mal à economia? Basta o imenso sistema de corrupção que assola a economia brasileira há décadas começar a ruir de forma espetacular para que se perca a confiança no país? Mas não é um bom sinal? E não faz o país passar a outro patamar de transparência e democracia? Ou a leniência em relação à corrupção era a garantia da estabilidade econômica? Uma coisa não tem nada a ver com a outra? É preciso parar o processo de denúncia e punição de todos os envolvidos antes que seja tarde, antes que haja envolvidos demais? Vamos lembrar as coisas boas da vida?