A melancolia dos Coen e a mostra de SP

No cinema

18.10.13

Começou a correria da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (confira aqui a programação completa). Ao longo das próximas duas semanas os textos desta coluna serão mais frequentes, urgentes e provisórios, rabiscados a toque de caixa entre uma sessão e outra.

Em Inside Llewyn Davis: Balada de um homem comum, filme que abriu oficialmente a mostra na noite de ontem (17 de outubro), os irmãos Joel e Ethan Coen trocam o sarcasmo habitual pela melancolia. É a história de um cantor folk fracassado, o Llewyn Davis do título (Oscar Isaac), uma espécie de Bob Dylan que não deu certo – e a breve aparição de um jovem Dylan (Benjamin Pike) na última sequência é uma piscada de olho dos diretores ao público. Em outra piscadela, o popstar Justin Timberlake atua como cantor de um trio folk.

http://www.youtube.com/watch?v=LFphYRyH7wc

A narrativa acompanha uma semana na vida de Davis, em suas andanças – ou melhor, tropeços – entre o Greenwich Village de Nova York e Chicago, no rigoroso inverno de 1961.

Comédia de erros

Estão presentes quase todos os elementos que nos acostumamos a ver nos filmes dos irmãos Coen: o protagonista desajustado, a sequência de acasos infelizes que perfazem uma comédia de erros por vezes cruel, a sensibilidade para a paisagem física e humana e, sobretudo, um humor visual, especificamente cinematográfico, que prescinde tanto do diálogo como da pantomima. Um exemplo entre muitos: a cena em que o sujeito com quem Davis pegou uma carona para Chicago é preso por um policial rodoviário, deixando-o no carro à beira da estrada com um grandalhão desacordado (John Goodman). Corta para um close da ignição do carro, sem a chave – levada pelo motorista preso, claro.

Essa irrupção repentina do absurdo, essa queda de um personagem no abismo de uma existência sem defesas nem garantias, em que os obstáculos e as ameaças se sucedem perversamente, é talvez o que os Coen têm mais característico e mais forte.

A diferença, aqui, é sobretudo de tom. A fotografia em matizes esmaecidos, captando a fria luz oblíqua do inverno, configura imagens (urbanas e rurais) de solidão e desencanto que remetem às vezes aos quadros de Edward Hopper, mas sem a luminescência vibrante destes.

Quem sabe esteja aí o “problema” de Inside Llewyn Davis: há uma pátina gris que cobre tudo, falta-lhe a vibração, a centelha de loucura criativa de outros filmes da dupla. Talvez seja inevitável na história de um fracasso. O fato é que a monotonia lamuriosa das canções do protagonista parece contaminar todo o filme, que entretanto está longe de ser ruim ou desprovido de interesse.

Fim de semana na mostra

Para quem está em busca de indicações, aqui vão algumas certezas e apostas para o primeiro fim de semana da Mostra.

Entre as certezas: os clássicos Providence, de Alain Resnais, e A rotina tem seu encanto, de Ozu, em cópias restauradas, além dos da retrospectiva Kubrick. Há também o obrigatório Riocorrente, de Paulo Sacramento.

Entre as apostas: os brasileiros De menor, de Caru Alves de Souza, e O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra, vencedores do recente Festival do Rio; O bacanal do diabo e outras fitas proibidas de Ivan Cardoso, do próprio; Ana Arabia, de Amos Gitai; Estrada para o norte, de Mika Kaurismaki; A Fuller life, documentário sobre Samuel Fuller feito por sua filha, Samantha. Sobre alguns desses filmes iremos falando aos poucos na coluna.

Igualmente preciosas são as exposições dedicadas a Stanley Kubrick, no MIS, e Manoel de Oliveira, no Instituto Tomie Ohtake.

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