Acreditar no samba – Quatro perguntas a Marcos Alvito

Quatro perguntas

06.02.13

Marcos Alvito é um historiador com traquejo de antropólogo. Já foi a campo estudar favela, cinema, futebol e uma de suas maiores paixões, o samba. O professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), de 52 anos, está lançando seu sétimo livro, Histórias do samba – De João da Baiana a Zeca Pagodinho (Matrix), em que reúne cem causos compilados de outras fontes ou ouvidos diretamente por ele de integrantes da Velha Guarda da Portela, por exemplo. Embora seu vínculo com o gênero musical se dê, antes de tudo, pelo prazer, ele também ressalta como as composições nos ensinam sobre a História do Brasil. Se as condições permitirem, outros volumes com mais causos virão nos próximos anos.

Parte das histórias é conhecida de quem vive no universo do samba. Você diria que o livro é dirigido a quem não é próximo do gênero?

É um livro para o grande público com algum interesse no samba. Não poderiam faltar histórias “clássicas”, mas há também histórias muito pouco conhecidas e histórias inéditas, fruto das minhas pesquisas com a Velha Guarda da Portela, com o samba de roda no Recôncavo Baiano ou acerca das relações entre o jongo e o samba. Quer dizer, há também algumas surpresas guardadas para os especialistas, mas sempre de maneira informal.

Na introdução, você escreve que a pretensão do livro talvez seja grande demais: “traduzir para o papel o espírito do samba”. O que seria o espírito do samba?

É uma expressão propositalmente vaga e poética. Mas acredito firmemente que o samba, por ter se desenvolvido historicamente em meio à população afro-brasileira, ainda tem um “espírito” ligado à experiência deste grupo, que desde cedo, ainda na escravidão, aprendeu a utilizar o riso e o deboche para enfrentar as agruras da vida e as injustiças sociais. Sendo assim, mesmo sambistas de hoje, como Zeca Pagodinho, são herdeiros dessa tradição que desconfia da ordem, da disciplina e da autoridade. No livro eu tento mostrar que isto é uma herança do jongo.

Você é historiador e tem vários campos de interesse. Como o samba te ajuda a entender a História do país?

Quando dou aula de Brasil República, já começo o curso com “Batuque na cozinha”, de João da Baiana, música que é analisada no livro e que, a meu ver, estabelece um vínculo sutil de continuidade entre a opressão sofrida pelos escravos e a repressão às manifestações afro-brasileiras na Primeira República. Procuro mostrar aos alunos que cada samba é como um documento histórico ímpar. Até brinco dizendo que cada uma daquelas músicas é como se fosse uma máquina do tempo. Em “Batuque na cozinha”, por exemplo, até o ritmo, muito mais lento e manemolente, nos remete a outra época. O problema é que na tradição cristã acredita-se que só podemos aprender sofrendo. Em sala de aula eu tento mostrar que podemos aprender nos divertindo e que o samba é uma fonte histórica importantíssima. Sobre as condições de vida das classes populares, por exemplo, mas também sobre a sua visão de mundo, seus projetos, seus sonhos.

O plano é continuar a contando histórias do samba em livros? Há o risco de ficar repetitivo?

Bem, para começar, não há plano, quero deixar o samba e suas histórias me levarem. Há tantas histórias interessantes, engraçadas e significativas que eu não consegui parar no primeiro volume. Por isso já estou escrevendo o segundo. Depois vamos ver. Não adianta querer contar histórias se ninguém quiser ouvir. Histórias do Samba: de João da Baiana a Zeca Pagodinho até agora foi muito bem recebido. As histórias do samba são muito variadas, não seria preciso repetir nada. Eu brinco dizendo que gostaria de contar 1001 histórias do samba. Não é uma pretensão ou um plano, é apenas uma maneira de dizer o quanto contar essas histórias me dá prazer.

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