Alceu, luz ao longo do túnel

Literatura

11.09.13

O IMS lança no dia 12 de setembro o livro Diário de um ano de trevas – Cartas de Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa: janeiro de 1969 – fevereiro de 1970, organizado por Frei Betto, que assina o prefácio reproduzido abaixo, e Alceu Amoroso Lima Filho. Na data do lançamento haverá uma conversa aberta ao público entre Frei Betto e o sociólogo Luiz Alberto Gomez de Souza.

Madre Maria Teresa e o pai, Alceu Amoroso Lima, c.1976 (Acervo pessoal Carlos Eduardo Afonso Ferreira)

Madre Maria Teresa e o pai, Alceu Amoroso Lima, c.1976 (Acervo pessoal Carlos Eduardo Afonso Ferreira)

Prefaciar esta obra epistolar de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) significa, para mim, colocar ponto final em um trabalho cativante, embora exaustivo, e, ao mesmo tempo, entregar ao público leitor, graças ao Instituto Moreira Salles, um valioso documento histórico.

Apesar da diferença de idades, doutor Alceu e eu fomos amigos, e o considero também meu inspirador e mentor. A Ação Católica nos aproximou no início da década de 1960. A JEC (Juventude Estudantil Católica) de Belo Horizonte, da qual fui militante e dirigente, convidou-o a proferir palestra na Semana do Estudante, na capital mineira. Ali travamos nosso primeiro contato pessoal.

Ao me transferir para o Rio de Janeiro, em 1962, a fim de integrar a direção nacional da JEC, nossos encontros se tornaram frequentes. Éramos vizinhos: ele morava na rua Paissandu, no Flamengo; eu, na rua das Laranjeiras, no bairro de mesmo nome. Em 1964, ele foi meu professor no curso de jornalismo da Universidade do Brasil (atual UFRJ).

Quando um grupo de frades dominicanos, vítimas da ditadura militar, foi encarcerado entre 1969 e 1973, doutor Alceu não receou assumir em público a nossa defesa, inclusive em suas crônicas nos principais jornais do país, assinadas com o pseudônimo literário – Tristão de Athayde. Esse foi o motivo que me levou a pedir-lhe para prefaciar meu primeiro livro, Cartas da prisão (Agir, 2008), no que fui atendido.

Iniciou-se entre nós uma troca de correspondência. E tivemos conversas que muito me enriqueceram, seja no Rio ou em sua casa da rua Mosela, em Petrópolis, seja na fazenda do Manso, em Ouro Preto, anfitriados pelo historiador Tarquínio Barbosa de Oliveira.

Nosso último contato pessoal foi em São Paulo, no Mosteiro da Paz, das monjas beneditinas, cuja abadessa era sua filha Maria Teresa Amoroso Lima (1929-2011) – destinatária e depositária das cartas reunidas neste volume.

Senti-me presenteado quando Alceu Amoroso Lima Filho veio ao convento dos dominicanos, em São Paulo, me propor editar estas cartas que o Instituto Moreira Salles faz chegar, agora, aos leitores. Dediquei praticamente todo o ano de 2011 à tarefa de “garimpar” uma por uma: decifrar a enigmática caligrafia do autor em cópias dos originais, atualizar a ortografia, pesquisar nomes, lugares e eventos sumariamente citados, cotejar o conteúdo com suas crônicas de jornais etc.

Este é o segundo volume das cartas de Alceu Amoroso Lima à filha Maria Teresa editado pelo Instituto Moreira Salles. O primeiro, Cartas do pai, veio a público em 2003.

Neste segundo volume, os leitores encontram cartas do autor à sua filha, remetidas entre janeiro de 1969 e fevereiro de 1970. São missivas menos “religiosas” e mais “políticas”, se comparadas às do primeiro volume. O texto de Alceu Amoroso Lima reflete o contexto do país e do mundo no período em que foi escrito, como uma espécie de “diário de bordo” de quem atravessa uma época conturbada tanto na vida nacional, devido ao endurecimento da ditadura militar a partir do Ato Institucional no 5 (dezembro de 1968), quanto na Igreja Católica, encabeçada pelo papa Paulo VI, fragilizado em seu propósito de levar à prática as decisões renovadoras do Concílio Vaticano II.

Os leitores destas cartas haverão de apreciar a lucidez do autor, sua profunda erudição, a crítica profética à ditadura militar e à Igreja, as recordações do Rio de Janeiro de sua infância e juventude, as referências a celebridades da literatura, do catolicismo e da política do Brasil e do mundo, as ironias concernentes a imortais da Academia Brasileira de Letras, enfim, o tom coloquial com que abre seu coração e sua mente à filha monja.

Eis um documento que, sem dúvida, projeta seu autor, homem de profunda convicção cristã, como um dos brasileiros mais cultos, coerentes e solidários às vítimas do arbítrio no século XX.

Aqui a luz brilha ao longo do túnel.

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