Antes que o mundo acabe

No cinema

14.12.12

O mundo pode não acabar, mas o fim do ano está logo ali, e com ele começam a pipocar as retrospectivas, balanços, votações e listas dos melhores da temporada.

Foi um bom ano para o cinema? Depende do ponto de vista e dos critérios adotados. Se o parâmetro for o surgimento de bons filmes, nacionais e estrangeiros, é possível dizer que sim, 2012 foi animador, pelo que se verá mais abaixo. Mas se concentrarmos o foco nas bilheterias, na ocupação do mercado exibidor – e, portanto, no acesso da maioria dos espectadores aos filmes -, o diagnóstico é desalentador.

Conforme notou o cineasta e diretor do MIS de São Paulo, André Sturm, em artigo publicado na Folha de S. Paulo de hoje (14 de dezembro), o último rebento da saga Crepúsculo ocupou, sozinho, 1.213 das cerca de 2.200 salas de cinema do país ao estrear, em 15 de novembro. Somado às 400 salas ocupadas pelo último 007, os dois títulos dominaram 75% das telas disponíveis. Sobraram 25% para “o resto do mundo”.

Mercado perverso

Há quem comemore quando um filme como Até que a sorte nos separe ou E aí, comeu? ultrapassa a marca dos três milhões de espectadores, como se isso fosse bom para o cinema brasileiro como um todo. Mas não é, ao menos não necessariamente. A grande maioria dos longas-metragens nacionais lançados este ano não chegou à marca dos 20.000 ingressos vendidos. A lógica é cruel: as produções pequenas são tiradas do circuito depois de uma ou duas semanas de exibição, antes que o boca a boca possa lhes dar uma sobrevida.

Entre esses filmes quase incógnitos estão alguns dos melhores da safra, como o excepcional Sudoeste, de Eduardo Nunes, que acaba de receber os prêmios de direção e de fotografia da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).

Nesse quadro perverso e ligeiramente esquizofrênico, chega a ser um alívio quando surge um filme que não confunde apelo popular com apelação populista. É o caso, a meu ver, do drama Gonzaga – De pai para filho, de Breno Silveira, e da comédia Os penetras, de Andrucha Waddington, devidamente valorizados neste espaço.

Meus dez mais

Cena de Holy Motors

Feito esse longo preâmbulo, vamos aos filmes. Dos estrangeiros, entre os que entraram no circuito comercial, o que mais me impressionou foi Holy Motors, de Leos Carax, por tudo o que escrevi aqui no post anterior. Outros títulos que, de um jeito ou de outro, ajudaram a tornar a vida melhor (pelo menos para mim) estão os seguintes, sem ordem de preferência:

Um alguém apaixonado, de Abbas Kiarostami;

Um método perigoso, de David Cronenberg;

Cosmópolis, do mesmo Cronenberg;

A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese;

Pina, de Wim Wenders;

Sombras da noite, de Tim Burton;

Frankenweenie, de Tim Burton;

Fausto, de Aleksandr Sokurov;

Elefante branco, de Paulo Trapero.

Uma lista eclética, como se vê. E só entraram nela os títulos exibidos comercialmente no país. Dos vistos em mostras e festivais, e com estreia prevista para 2013, merecem ser aguardados, entre outros, A bela que dorme, de Marco Bellocchio, A parte dos anjos, de Ken Loach, Além das montanhas, de Cristian Mungiu, e O Gebo e a sombra, de Manoel de Oliveira.

Os dez da Cahiers

Para quem gosta de listas, aqui vai outra, a dos melhores do ano da Cahiers du Cinéma:

Holy Motors, de Leos Carax;

Cosmopolis, de David Cronenberg;

Twixt, de Francis Ford Coppola;

4:44 Last day on earth, de Abel Ferrara;

In another country, de Hong Sang-Soo;

Take shelter, de Jeff Nichols;

Go go tales, de Abel Ferrara;

Tabu, de Miguel Gomes;

Fausto, de Alexander Sokurov;

Keep the lights on, de Ira Sachs

Mal posso esperar pelos que ainda não passaram no Brasil, sobretudo os de Coppola e Abel Ferrara. Tabu, exibido na Mostra Internacional de São Paulo, é uma insólita obra-prima. Tomara que alguém o lance por aqui.

Brazucas

Pois bem, e os brasileiros? Além do citado Sudoeste, o ano foi marcado por outra extraordinária e quase invisível obra de estreia, Histórias que só existem quando lembradas, de Julia Murat, e pela força do cinema pernambucano, que compareceu no circuito com Febre do rato, o manifesto poético selvagem de Claudio Assis, e Era uma vez eu, Verônica, o elogio de Eros dirigido por Marcelo Gomes. Mas o melhor do cinema pernambucano, quiçá brasileiro, ficou para o ano que vem: O som ao redor, de Kleber Mendonça.

Na produção dos veteranos, os filmes que mais me agradaram foram o documentário A música segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos, e Cara ou coroa, de Ugo Giorgetti, pungente e saborosa crônica da Pauliceia nos tempos da ditadura.

Esqueci de muita coisa, com certeza. Mas os leitores estão convidados a preencher as lacunas, contestar as escolhas, apresentar as suas. Antes que o mundo acabe.

, , , , , , , , , , , , ,