Lêdo Ivo, morto no último dia 23 aos 88 anos, não se rendeu à rigidez formal da Geração de 45 e construiu uma linguagem poética própria, além de atuar em prosa, ensaios e no jornalismo. De seu acervo, que está sob a guarda do IMS, nasceu E agora adeus (2007), livro de correspondências como a enviada por Erico Verissimo que republicamos juntamente com um resumo da carreira do escritor.
Transcrição:
“Porto Alegre
10 de junho de 1974
Meu caro Lêdo Ivo:
acabo de receber seu O sinal semafórico. Obrigado! V. sabe como admiro a sua poesia. Vou deixar o volume sobre a mesinha de cabeceira para uma leitura (em muitos casos releitura) lenta. Desde menino aprendi que doce bom não se deve comer depressa, em grandes dentadas, mas saborear devagarinho.
Agora um negócio comercial. Será que v. queria me vender, emprestar ou alugar algumas de suas belas metáforas? Nesta altura da vida ando meio pobre delas, e estou precisando de algumas para o livro que no momento escrevo. (O Quintana seria o outro “fornecedor”).
Um abraço muito cordial do
Erico Verissimo”
Lêdo Ivo nasceu em Maceió (AL), em 18 de fevereiro de 1924, filho de Floriano Ivo e Eurídice Plácido de Araújo Ivo. Aos 19 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a colaborar na imprensa carioca como jornalista e, seguindo tendência de formação daquela época, bacharelou-se pela então Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.
Em 1944 publicou seu primeiro livro de poesia, As imaginações, no qual o também poeta e ensaísta Ivan Junqueira já identifica a boa cepa do estreante, à vontade no domínio do verso longo. Para Junqueira, o poeta alagoano precisa ser “compreendido, também, à luz do excesso, de uma prestidigitação retórica e de uma linguagem encantatória que são apenas e singularmente suas”.
À obra de estreia de Lêdo Ivo se seguiria intensa produção poética com Ode e elegia, de 1945, e Ode ao crepúsculo, do ano seguinte, além de muitos outros, até culminar com Finisterra, de 1972, que, ainda para Junqueira, é “uma das obras mais importantes de toda a poesia brasileira que se escreveu na segunda metade do século xx”. Quando completou 80 anos, a editora Topbooks publicou sua Poesia completa, que inclui Plenilúnio, de 2004, em volume de mais de mil páginas.
Sem ter se rendido à inflexibilidade dos pressupostos da estética da Geração de 45, que pregava resgate das formas fixas e das medidas métrico-rítmicas postas abaixo pelo Modernismo de 1922, Lêdo Ivo se integrou àquele grupo mais pela retomada da temática humana e universal do que pela rigidez formal que exigiam.
Seu primeiro romance, As alianças, foi publicado em 1947, mas, entre outras obras do gênero, foi com Ninho de cobras, de 1973, traduzido para várias línguas, que conquistou notoriedade como romancista. Leitor ávido desde a juventude, em Alagoas, acumulou ao longo dos anos uma erudição que lhe serviu de estofo para o ensaísmo, gênero para o qual contribuiu com textos fundamentais como “O preto no branco”, de 1955, argutíssima exegese do poema “Água-forte”, de Manuel Bandeira. Entre os muitos livros de ensaios que publicou, destaca-se a coletânea O ajudante de mentiroso, de 2009.
Conhecido por sua mordacidade quando se trata de polêmicas, o autor era membro da Academia Brasileira de Letras, onde tomou posse na cadeira n.10, em 1987. Cáustico na crítica e nos comentários, muitas vezes conserva esse tom nas memórias de Confissões de um poeta, de 1979, e O aluno relapso, de 1991. Aos 87 anos de idade, em 2011, publicou mais um livro de memórias, O vento do mar, em que reúne 27 ensaios e finaliza com 40 poemas.
Em 2007 o Instituto Moreira Salles publicou E agora adeus, seleção de cartas do arquivo do escritor sob a guarda da instituição. Com apresentação do próprio Lêdo Ivo e introdução de Gilberto Mendonça Telles, dessa correspondência emerge “como se fora uma maré tardia o tempo esvaecido”, escreve o apresentador.
O Acervo Lêdo Ivo chegou ao Instituto Moreira Salles em abril de 2006. É formado de biblioteca de 102 livros e 49 periódicos catalogados no site do ims; e de arquivo com aproximadamente: produção intelectual contendo dez documentos, correspondência com 2.370 itens, 120 documentos pessoais, 690 recortes de jornais e de revistas e 330 fotografias. Merece destaque a correspondência do autor, que reúne cartas que lhe foram enviadas por personalidades mais importantes de sua geração.