Luxo para todos

Correspondência

19.08.11

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Caro Sérgio,

 

Que bom que o Rodrigo Teixeira vai produzir uma versão cinematográfica do “Gorila”. Quem será o diretor? Gostei também da informação de que o David França Mendes vai adaptar “O Monstro” e de que O livro de Praga também chegará ao cinema. Curioso para ver o que vai sair disso tudo.

O Rodrigo Teixeira produziu um filme que já deve estar pronto, mas ainda não vi, Heleno, dirigido pelo José Henrique (filho do Rubem) Fonseca. Trata-se de uma recriação ficcional da trajetória do Heleno de Freitas, craque galã e temperamental do Botafogo dos anos 40, uma espécie de antecessor do Edmundo, só que mais trágico, pois morreu de sífilis num sanatório em Barbacena aos 39 anos. Rodrigo Santoro faz o papel do Heleno.

Li uma primeira versão do roteiro, que me pareceu excelente e, ao mesmo tempo, infilmável, pois previa cenas complicadas reconstituindo lances de jogos. Depois disso o Zé Henrique me disse que o roteiro mudou muito. Ficou com menos futebol no campo e mais drama fora dele. Sábia mudança. Se tiver sido bem resolvido do ponto de vista dramático e narrativo, o filme pode ser uma espécie de Touro indomável do futebol.

Ao contrário do que acontece com o boxe no cinema americano, o futebol é relativamente pouco explorado pelo nosso cinema, levando em conta sua presença enorme na cultura, no cotidiano e no imaginário dos brasileiros. As razões para isso são várias. O Luiz Carlos Barreto, por exemplo, costuma dizer que filme de futebol não dá público porque, num casal, quem decide o programa é sempre a mulher, que geralmente não dá bola para a bola. E olhe que o Barretão produziu o clássico Garrincha, alegria do povo (1963), do Joaquim Pedro de Andrade.

Mas a dificuldade maior parece ser mesmo a de encenar partidas de futebol. Ugo Giorgetti, que dirigiu o excelente Boleiros, diz que o problema é que, no Brasil, qualquer pessoa percebe de cara a falsidade de uma jogada encenada. Fica tudo muito artificial. Por isso ele próprio evitou ao máximo as cenas de jogos em seu filme (e na continuação, Boleiros 2), atendo-se aos dramas e comédias de bastidores.

A evocação do nome do Joaquim Pedro me conduz, por vias tortas, ao assunto central da sua carta, o teatro. É que você cita como espetáculo memorável a montagem do Macunaíma pelo Antunes Filho, no final dos anos 70, e o Joaquim tinha feito, dez anos antes, um filme igualmente extraordinário inspirado no romance do Mário de Andrade. Eis um caso exemplar de adaptações que estão à altura do texto original justamente por se distanciar da sua letra e buscar o seu espírito num outro meio de expressão.

Eu estava na faculdade quando vi essa montagem do Antunes, e o impacto não poderia ter sido maior. Foi uma das poucas peças que eu vi duas vezes na vida, com poucos dias de intervalo entre uma e outra: e olhe que a montagem tinha umas quatro horas de duração. Fiquei absolutamente chapado pela invenção visual, pela exuberância plástica e sonora daquele espetáculo. O Antunes é um gênio, não tenho dúvida.

Devo confessar, porém, que vou pouco ao teatro. Não chego a ser da turma do “Vá ao teatro, mas não me convide”, mas quase sempre acabo optando pelo cinema na hora de sair de casa. No cinema, se o filme for aborrecido, a gente pode cochilar ou sair no meio sem criar constrangimento. No teatro, somos frequentemente acometidos pela “vergonha alheia”, quando não pelo ímpeto de subir ao palco e esganar certos atores, ou pedir a cabeça do diretor.

Fujo sobretudo das comédias de relacionamento amoroso estreladas por atores globais e pautadas por um humor raso de sitcom televisiva. Penso que a maior parte do público só vai ao teatro para “ver de perto” os astros das novelas, e isso me causa certo engulho.

Mas outro dia vi um filme que comprovou que há exceções nesse quadro, a comédia Todo mundo tem problemas sexuais, do Domingos de Oliveira, baseada em texto teatral dele próprio. Aliás, vários trechos do filme são fragmentos de apresentações da peça em diversos palcos do país. O tema são os desencontros eróticos e amorosos, alguns atores são estrelas globais (Pedro Cardoso, Claudia Abreu)… e eu adorei. O Domingos, veterano do cinema, do teatro e da TV, mostra que é possível conciliar sofisticação intelectual, invenção formal e comunicação com o grande público. Isso é, para mim, um ideal da arte, ou pelo menos da arte “de massa” (cinema, música popular e, por que não?, futebol).

Já falei demais. A carta ficou longa. Agora é com você.

 

Grande abraço,

 

Zé Geraldo

 

* Na imagem da home que ilustra este post: cena de Garrincha, alegria do povo (1963), de Joaquim Pedro de Andrade

 

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