
Pânico em aeroporto
Arthur Dapieve
21.11.11
As razões para eu ter medo de aeroporto são bem menos saborosas do que as razões para você ter paura de avião. Apenas a chateação habitual. Filas, extravio de malas, demoras, atrasos, cancelamentos. Certa vez, por causa de uma tempestade de matar gente, passei oito horas no Aeroporto de Congonhas, esperando a ponte aérea ser desobstruída. Já estava lendo as etiquetas das minhas roupas para fazer passar o tempo. Em fevereiro último, porém, descobri um aeroporto que não me causou aversão. Tinha de ser do outro lado do mundo. Narita, no Japão. Na chegada, a impressão já tinha sido muito boa.

Sabedoria pedestre
Arthur Dapieve
14.11.11
Nossas cidades coloniais me comovem. Ouro Preto, Tiradentes, Paraty... Olinda não entra na lista porque, entre as muitas falhas de meu caráter, está a de não conhecer Pernambuco. A primeira razão para comoção é que, percorrendo-lhes as ruas, não consigo deixar de pensar que algo se perdeu na arquitetura, ao menos temporariamente, e em especial a partir de meados do século XX. Nenhuma arte "evolui" ou "involui" de fato: apenas muda, adequando-se aos meios materiais e às circunstâncias sociais de novos tempos.

Palavras das caravelas
Arthur Dapieve
07.11.11
Ah, o Aldo Rebelo... Ele é uma das minhas referências na política. Observo atentamente as suas posições - e assumo a posição diametralmente oposta. Com a ida dele para o Ministério dos Esportes, descobri que devo fazer oposição não apenas às Olimpíadas e à Copa, mas a qualquer tipo de desporto ou atividade física, sobretudo se envolver alguma ONG. Vou doar o tênis da caminhada a um comunista carente.

O futebol como recreio
Arthur Dapieve
01.11.11
Aos quatro ou cinco anos de idade, eu não tinha a menor ideia de que, naqueles tempos, o time representado por aquela bandeira era o bicampeão da cidade, graças a um timaço com Jairzinho, Gerson, Paulo César, Roberto, Rogério, Zequinha... Nem, muito menos, que pouco antes o Botafogo tinha tido outro timaço bicampeão carioca, com Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Quarentinha, Zagalo... Ou seja: eu comprei a bandeira com a Estrela Solitária e ganhei de brinde a história gloriosa - e muito sofrimento pelos vinte e um anos seguintes, até o Maurício jogar bola e Leonardo gol adentro, em 1989.

Os instintos mais primitivos
Arthur Dapieve
24.10.11
Quanto a médicos, contudo, acho que dei sorte. Tive aquele pediatra a me acompanhar quase até eu mesmo virar pai. Meu dentista é o mesmo desde que eu era criança, lá no Posto 5, em Copacabana. Depois que descobri que era hipertenso durante um fechamento de jornal (quando e onde mais?), um amigo me indicou um clínico de fé, com quem mantenho ótimas relações há anos. Inclusive porque parte da consulta é dedicada a conversarmos sobre música clássica. Salvo o réquiem do Mozart.

Memórias flutuantes
Arthur Dapieve
17.10.11
Jogar bola na praia me ensinou muito do que sei sobre lealdade, anos antes de eu saber que o Camus tinha escrito mais ou menos a mesma coisa sobre o tempo em que jogou de goleiro em Argel. Só que eu jogava de zagueiro. Fazia dupla feroz com um sujeito cujo apelido era Corvo no time "do Othon" (minha turma não era nem a da Miguel nem a da Xavier da Silveira, mas a que ficava entre as duas ruas, na faixa de areia em frente ao hotel, em instrutiva convivência com as piranhas e os gringos). Mais de um atacante parrudo se surpreendeu derrubado depois de levar uma bordoada firme de um sujeito com meu físico de existencialista.

Exílio em Laranjeiras
Arthur Dapieve
10.10.11
O copacabanense também representa o grosso nato, mas posa de homem do mundo, com cafajestadas em vários idiomas. Hoje, como autoexilado em Laranjeiras, já não me relaciono bem com minha terra quase natal (nasci no Hospital da Lagoa, de pais que então moravam em Ipanema e logo se mudaram para o Posto 5 da minha infância, adolescência e primeira maturidade). Não porque eu tenha deixado de ser grosso. Ao contrário, piorei. Como a "Princesinha do Mar", que está mais para "Rainha Mãe do Brejo", velhota que insiste em se vestir de prostituta infantil. Falta-lhe senso de ridículo.

Fragmentos do luto
Arthur Dapieve
03.10.11
Leia a primeira carta da correspondência entre o jornalista e escritor Arthur Dapieve e o compositor Aldir Blanc. Pelos próximos dois meses, ambos trocarão cartas semanais no blog do ims. Sempre disse que o Barthes é um dos meus heróis intelectuais. E ao ler este Diário de luto me toquei de que ele também é um dos meus heróis emocionais, desde que, ainda na faculdade, li Fragmentos de um discurso amoroso em honra da proverbial vagabunda que não me dava mole. (...) Ele de certa forma me ensinou a gramática daquele sofrimento safado.