Palavras das caravelas

Correspondência

07.11.11

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Grande Guru,

Ah, o Aldo Rebelo… Ele é uma das minhas referências na política. Observo atentamente as suas posições – e assumo a posição diametralmente oposta. Com a ida dele para o Ministério dos Esportes, descobri que devo fazer oposição não apenas às Olimpíadas e à Copa, mas a qualquer tipo de desporto ou atividade física, sobretudo se envolver alguma ONG. Vou doar o tênis da caminhada a um comunista carente.

Aliás, o PC do B deve bater um bolão para ter transformado a pasta numa espécie de capitania hereditária. Agnelo, Orlando e, agora, Aldo… Pelo andar da carruagem, breve Jandira Feghali brilhará na Esplanada dos Ministérios! Mas eu preferia mesmo era ver a gauchinha Manuela D’Ávila no nado sincronizado, pele molhada, maiô colado.

Não se pode dizer, porém, que o Aldo também não tenha lá o rebolado dele: afinal, é preciso um tremendo jogo de cintura para urdir uma aliança dos comunistas da linha albanesa com os ruralistas da linha farpada em torno do Código Florestal. É possível que uns e outro acreditem que esse papo de aquecimento global, biodiversidade e tragédia ambiental é ou coisa de boiola verde ou lorota de ianque safado. O que, na boa e velha Tirana do camaradaço Enver Hoxha, dava mais ou menos na mesma.

O meu Aldo favorito, contudo, não é nem o dos conchavos corporativos nem o da motosserra (aliás, não é verdade, ao menos não ainda, que o ex-deputado Hildebrando Pascoal tenha se filiado ao PC do B na cadeia). Acho fascinante é a defesa seletiva que ele faz da pátria. Quer dizer… Aparelhar o Estado, tudo bem. Botar abaixo as florestas, tudo bem. Mas, alto lá, companheiro! Delivery é a puta que o pariu!

É óbvio que neguinho exagera. Já li “delivery a domicílio” na placa de uma lanchonete no interior do estado. Para que hairdresser, hair stylist ou coiffeur se cabelereiro dá conta de qualquer madeixa monoglota? Só que o sujeito não precisa ser tão pentelho, precisa? Contra as bobagens, nós sempre teremos o senso de ridículo, apetrecho do qual o Aldo parece comoventemente destituído. Esse negócio de infantilizar o cidadão me dá nos nervos. O cidadão tem o direito de meter o hairdresser dele na tabuleta que quiser. E não conheço ninguém, por mais afetado que seja, e gente afetada é mato aqui na Zona Sul, que diga: “Vou ao hairdresser porque o corte está em sale“. Se o Aldo escuta alguém falar assim, talvez fosse o caso de ele selecionar melhor as companhias.

OK, senhor ministro, vamulá, vamos tirar todas as palavras estrangeiras do uso corrente. Eu queria entender em qual ponto a gente passa a régua e decreta: “Daqui pra lá, é tudo estrangeirismo”. Só valem as palavras que vieram nas caravelas? Pô, os árabes passaram quase 800 anos – 800 ANOS! – na Península Ibérica e deixaram muitas das deles para trás quando foram expulsos pelos cristãos em 1492. Não é natural que suas palavras tenham sido incorporadas por espanhóis e portugueses? Revanchismo a esta altura? O que a gente vai fazer com as páginas 69 a 171 dos nossos dicionários, cheias de lindos arabismos iniciados por al? Lacrar? Arrancar? Deportar para a Faixa de Gaza?

Dentro da lógica rebelesca, as palavras de origem africana também correm o risco de serem expurgadas de “nosso” límpido idioma português (será que o Aldo acha que Portugal fica ali no boteco da esquina?). É ou não é o caso de perguntarmos em audiência pública: “Excelentíssimo senhor ministro de Estado dos Esportes José Aldo Rebelo Figueiredo, o que faremos, caso seu projeto vá adiante, com as belas palavras da família banta? Com todo respeito, o que o senhor fará com a ?bunda’, por exemplo?”

Pano rápido.

De Pelotas, seu xará Aldyr Garcia Schlee, que mencionei em minha última e-pístola, a ele retransmitida, escreve desolado com a sacanagem que fizeram com o seu Grêmio Esportivo Brasil, rebaixado no tapetão para a Série D do Campeonato Brasileiro. No entanto, ele não perde a esperança de ver o Xavante disputando a Segundona de 2014, para ir ao estádio na companhia de suas netas (uma das quais é fã do Loco Abreu).

Aproveita, também, para desmentir algumas histórias que repeti – por ter lido alhures – em torno da amarelinha, criada por ele depois da malfadada Copa de 1950. Schlee tem tudo anotadinho, quem era contra, quem era a favor da destituição da antiga camiseta branca… O resultado do concurso para a escolha do novo uniforme da seleção saiu no dia 16 de dezembro de 1953, depois de três reuniões da comissão julgadora, da qual não fazia parte o Armando Nogueira. Schlee, vencedor, chegou ao Rio pouco depois, no começo de 1954, e foi instalado no velho Hotel Marialva, na Gomes Freire, defronte à sede do Correio da Manhã, principal apoiador da mudança da camisa. Ele diz que ainda ouviu toda sorte de fofocas sobre o concurso, mas desconhece qualquer consulta ao DNER para saber qual cor se fazia mais presente à noite, sob iluminação precária.

Se bem que essa história se non è vera, è bene trovata. Ih, cacete, escrevi em italiano. Vou ser condenado a serrar árvores no pasto de um comuna-ruralista no Acre.

Grande abraço,

Arthur

* Na imagem da home que ilustra este post: foto de telão da mostra Palavras sem fronteiras (2009), no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo (foto de Sam Shiraishi)

 

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