Passeata dos Cem Mil (1968)

David Drew Zingg/Acervo IMS

Passeata dos Cem Mil (1968)

2018 e suas memórias

Política

16.05.18

Recebi um convite para uma reunião da turma da escola, 40 anos de conclusão do segundo grau, hoje ensino médio, no Centro Educacional de Niterói. Levei um susto, provavelmente porque só eu não estava contando. Havia quem estivesse de olho no calendário, e até o fim do ano devemos nos encontrar para ouvir histórias, lamentar os que se foram precocemente e nos espantar com descobertas do passado, essa categoria sempre tão instável da memória. Penso nesses 40 anos quando vejo em torno de mim todas as homenagens aos 50 anos de Maio de 1968, seu espírito revolucionário, suas promessas de futuro que ainda estão aí, ora nos assombrando como fantasmas, ora nos animando a ir às ruas de novo e mais uma vez.

Há debates, livros, seminários, e há sobretudo o fato de que, se na França ou na Alemanha 1968 é um marco em direção a um novo futuro, no Brasil é o ano do assassinato, pela polícia, do estudante Edson Luís, da Passeata dos Cem Mil e da decretação do AI-5. A tarefa de escolher o que lembrar ou o que esquecer, como ensina Nietzsche na Segunda consideração intempestiva, torna-se ainda mais necessária. Se em 1968 eu ainda era criança e uma das poucas imagens que retive foi dos cavalos do Exército ameaçados pelas bolas de gude jogadas no chão para derrubá-los, já em 1978, quando terminei a escola, estava engajada nas lutas estudantis pela abertura, pela anistia, pela liberdade, entre assustada e revoltada com o helicóptero da PM que sobrevoava o campus da PUC-Rio ameaçando uma manifestação estudantil.

Outra efeméride de 2018 são os 30 anos da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, depois da luta pela anistia, da campanha das Diretas Já, do fim do governo militar, do início da Nova República, das pequenas vitórias e da grande frustração por termos varrido a ditadura para debaixo do tapete. O poder dos militares, que ainda nos assombra como um fantasma, volta sempre e a cada vez, seja nas instalação das comissões da verdade, tema do livro O abismo na história – ensaios sobre o Brasil em tempos de Comissão da Verdade (Alameda Editorial), do professor Edson Telles (Unifesp), seja nas escavações dos arquivos da CIA que acabam de revelar a face mais dura do regime militar, a execução dos inimigos do regime sob comando direto do general Ernesto Geisel.

 

David Drew Zingg/Acervo IMS

Passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro em 26 de junho de 1968

Tanto tempo passou e os assassinatos políticos não acabaram, os militares estão nas ruas do Rio de Janeiro, as prisões e torturas arbitrárias permanecem parte da rotina, agora democrática. Se as memórias políticas se entrelaçam a lembranças pessoais, talvez seja porque desde o assassinato de Marielle Franco não paro de me assombrar tentando encontrar a data da minha primeira manifestação feminista, reivindicando o fim da violência contra as mulheres, caminhando na Avenida Rio Branco ainda sem saber que daquela passeata viria um longo percurso de avanços e recuos. 2018 é também o ano em que comemoro 10 anos de conclusão do mestrado em Filosofia (PUC-Rio) e, com ele, o início de mais uma jornada, agora teórica, ainda em torno dos direitos das mulheres. Por conta deste percurso hoje faço parte do Coletivo Feminista 4D, que esta semana recebe no Rio e em Brasília a senadora francesa Laurence Rossignol

Entre as efemérides de 2018, me parece necessário contabilizar que minha linha do tempo no Facebook indica que estou na rede há 10 anos, desde 2008, quando a rede social adicionou o português aos seus idiomas e, consequentemente, começou a ganhar usuários no Brasil. Entrei para conhecer, assim como havia aberto uma conta no Twitter, então animado pela pergunta “o que você está fazendo agora?”, e tornado famoso pelo seu uso político na primeira campanha presidencial de Barack Obama.

Todos esses anos de Facebook modificaram os laços sociais, abriram outras possibilidades, conectaram pessoas queridas que talvez, sem a rede, não chegassem a ter contato. Foi também o Facebook que proporcionou, inclusive, o reencontro dessa turma de alunos formados há 40 anos no CEN e a organização de uma comemoração do passado. Imprensada entre o que lembrar e o que esquecer, acompanho o escândalo de vazamento de dados do Facebook para a Cambridge Analytica enquanto compartilho mais um texto, sabendo que os algoritmos nos comandam e devem orientar mais essa leitura, imprimindo à escrita um percurso errante e ao mesmo tempo determinado, arquivos de memória e de esquecimento, de modo a tornar o passado e a memória ainda mais incertos do que o futuro.

 

Veja mais fotos de 1968 no Brasil escolhidas no acervo do Instituto Moreira Salles em 1968 no IMSno site do instituto.

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