José Geraldo Couto

O corpo que resiste

José Geraldo Couto

02.09.16

Tudo o que aconteceu e ainda está acontecendo em torno de Aquarius – o protesto da equipe em Cannes contra o golpe parlamentar no Brasil, a controvérsia em torno de sua possível seleção para concorrer ao Oscar, o vaivém da classificação etária – condenou o filme de Kleber Mendonça Filho a adquirir, para o bem ou para o mal, uma dimensão política ainda maior do que a já contida em seus 142 minutos. Tentemos, tanto quanto possível, deixar de lado essa reverberação extrafílmica para nos concentrar naquilo que Aquarius põe na tela.

Estado de graça

José Geraldo Couto

26.08.16

O que há de novo em Café society, filme mais recente de Woody Allen? A rigor, talvez nada. Mas, mais do que suma, talvez uma palavra melhor seja depuração. O cineasta parece ter podado as arestas de ansiedade, a incontinência verbal que às vezes fazia as palavras darem a impressão de não caber na imagem e no ritmo de seus filmes. Aqui tudo flui com uma segurança e uma elegância que alguns grandes artistas encontram em suas obras de maturidade.

Grandeza perdida

José Geraldo Couto

19.08.16

Entre o Ben-Hur de 1959, filmado por William Wyler, ganhador de onze Oscars, e a versão de 2016, a tecnologia do cinema avançou tremendamente, graças às novas possibilidades digitais, mas alguma coisa muito profunda e essencial parece ter se perdido. Correndo o risco de soar exagerado, eu diria que Hollywood perdeu o sentido da grandeza. Ou talvez a grandeza hollywoodiana tenha se deslocado para outros terrenos.

Brasil, dança absurda

José Geraldo Couto

12.08.16

Brasil S/A, o ensaio audiovisual de Marcelo Pedroso, é uma espécie de comentário irônico ao ideário e à retórica do “Brasil grande e ordeiro”. Sem que uma única palavra seja dita ou escrita, passam pela tela as grandes questões crônicas (e atuais) do país: a modernidade torta, a agroindústria predatória, a irracionalidade urbana, o racismo velado, o misticismo desesperado.

Bernardet na contramão

José Geraldo Couto

05.08.16

Fome, de Cristiano Burlan, que acaba de entrar em cartaz, acompanha as andanças de um velho mendigo pelas duras ruas do centro de São Paulo. Uma câmera fluente segue de perto seus passos e registra seus pequenos gestos e ocasionais diálogos com outros habitantes da metrópole. Até aí, seria um ensaio ou parábola mais ou menos banal em torno da invisibilidade social, do anonimato urbano, da condição de estar ao mesmo tempo dentro e fora do espaço público. O que torna única essa experiência e lhe confere, ao menos para uma parte dos espectadores, uma dimensão suplementar de significado é o protagonista ser encarnado pelo crítico, professor, pesquisador e ensaísta Jean-Claude Bernardet.

O diabo entre nós

José Geraldo Couto

29.07.16

Quando se fala em “aclimatar” gêneros consagrados às condições brasileiras, pensa-se logo em elementos de “cor local” (paisagem, humor paródico, signos da nossa cultura). Aqui entra uma das grandes sacadas dos realizadores de O diabo mora aqui. O que pode haver de mais profundamente brasileiro que a herança da escravidão, da opressão e dos desmandos de uma oligarquia impiedosa? E é isso o que essa trama de terror concentrada numa única noite e vivida por poucos personagens traz à tona com uma força desconcertante.

Tudo sobre sua mãe

José Geraldo Couto

22.07.16

O tema da maternidade, que de uma forma ou de outra atravessa toda a filmografia de Anna Muylaert, ganha centralidade em seus dois longas-metragens mais recentes. Se no filme anterior, Que horas ela volta? (2015), o ângulo de abordagem iluminava a estrutura social de dominação e suas transformações, em Mãe só há uma o foco é a identidade de gênero e orientação sexual. Trata-se ainda de uma opressão, mas de outra ordem.

Babenco, homem fora de lugar

José Geraldo Couto

15.07.16

Hector Babenco, morto esta semana, foi um artista marcado, se não pela contradição, ao menos pela ambiguidade. Disso extraiu sua força e sua originalidade. Meio argentino, meio brasileiro, realizou um cinema com um pé no desejo de expressão pessoal e outro na busca de comunicação com um público amplo. Para José Geraldo Couto, talvez o que unifique sua obra seja a impressão de alguém buscando seu lugar num ambiente hostil ou, no mínimo, inóspito.

Encontro de olhares

José Geraldo Couto

14.07.16

A palavra “fotografia”, etimologicamente, significa “escrita da luz”. Com seu instrumento de captação, controle e manipulação da luz – a câmera –, os grandes fotógrafos escrevem reportagens, poemas, comédias, epopeias. É o caso de José Medeiros e Thomaz Farkas, dois gigantes da fotografia brasileira retratados no curta-metragem Improvável encontro – frente e verso, de Lauro Escorel, que o Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro exibe em sessões especiais até 31/7.

O nazismo entre nós

José Geraldo Couto

08.07.16

Nenhum filme havia contado até agora uma história tão horripilante e reveladora de nossas mazelas como a mostrada no documentário Menino 23, de Belisário Franca, sobre a presença nazista no Brasil. Através de pesquisa do historiador Sidney Aguilar Filho, o filme reconstitui um evento ocorrido em meados dos anos 1930, no interior de São Paulo.