Hoje é impossível falar de outro assunto que não seja Carlos Reichenbach, morto ontem, no mesmo dia em que completava 67 anos. Nenhuma morte foi tão sentida nos meios cinematográficos brasileiros. Talvez a de Glauber Rocha, mas Glauber saiu desta vida de mal com meio mundo, incompreendido, renegado, solitário, amargurado.
Carlão não. A despeito da ira sagrada contra os podres poderes e a mediocridade geral que nos cerca, foi até o fim um ser gregário, doce e generoso, fervilhante de sonhos e projetos, amigo do cinema e das pessoas. Era amado por todo mundo: cineastas, atores, técnicos, jornalistas, alunos, cinéfilos. Todos têm alguma lembrança bonita, alguma palavra positiva a dizer sobre ele.
Popular e experimental
Ainda sob o impacto da interrupção brusca do fluxo de inteligência e afeto que emanava daquele homenzarrão de voz trovejante, me vejo sem condições de dizer algo que preste, por isso transcrevo aqui o final de um texto que escrevi sobre Carlão no final de 2006 para o blog Ilustrada no Cinema, da Folha de S. Paulo:
A utopia de Carlos Reichenbach, que era também a de Rogério Sganzerla, é a de um cinema ao mesmo tempo popular e experimental, cosmopolita e profundamente brasileiro, radicalmente crítico e celebratório. Por isso ele ataca em várias frentes: não para de filmar (muitas vezes cuidando pessoalmente da câmera, da montagem e da música), de produzir roteiros e projetos (enlouquecendo sua sócia, a produtora Sara Silveira), de escrever críticas (na imprensa e na internet) e de organizar eventos como as sessões Comodoro, de exibição de filmes raros no Cinesesc. Como Mário de Andrade, Carlão não é um só, é “trezentos, trezentos e cinquenta”. Só assim para viver de cinema e manter uma integridade a toda prova num país tão acanalhado como o Brasil.
A palavra de Carlão
E dou a palavra ao próprio Carlão. Neste documentário curto realizado como trabalho de conclusão de curso de alunos do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, ele fala sobre o cinema e a vida, entre trechos de seus filmes:
http://www.youtube.com/watch?v=oLT9B2BghNs
Por fim, um momento especialmente belo de sua filmografia, uma cena do filme Alma corsária que condensa toda a poesia áspera e exuberante desse homem imenso que, como Drummond, preparava uma canção que fizesse acordar os homens e adormecer as crianças.