Cinema das causas perdidas
Bernardo Carvalho
17.02.16
O princípio da empatia é a passividade do espectador. Funciona tanto para a propaganda quanto para o cinema de entretenimento. É o caso de um filme em cartaz sobre transgêneros feito para o grande público. Ao contrário disto, está o cinema que pretende sacudir a consciência do espectador, seus valores e sua moral, e que tende a ser bem mais desconfortável. É o caso de O enforcamento, de Nagisa Oshima.
Comum, errante e alegre
Carla Rodrigues
11.02.16
É da passagem da vida comunitária para a vida individual que trata a última temporada de Downton Abbey. A rigor, todos os desfechos das trajetórias de vida – seja dos nobres, seja dos empregados – indicam o primado do indivíduo sobre a comunidade. O fim desse mundo compartilhado que Abbey narra tão bem é hoje um tema importante na filosofia política.
Contra o leitor
Bernardo Carvalho
03.02.16
Dizer hoje que se escreve "contra o leitor" é imediatamente associado à suposta arrogância e à presunção de quem diz. É uma heresia e um paradoxo, uma contradição em termos, além de ser considerado uma ofensa. Porque o leitor é um cliente e, como mandam as regras do bom comércio, o cliente vem em primeiro lugar. É o tempo do academicismo, da aplicação das normas e das convenções, do pensamento pequeno e da visão curta.
O tempo do luto é outro
Carla Rodrigues
27.01.16
Falar sobre o luto será sempre também falar sobre a vida que fica, continua, sobrevive, permanece. Se, como me disse um médico e amigo, é preciso passar pelo luto, se é uma experiência inevitável, então é também inevitável aprender a falar sobre ele – assim como precisamos aprender a falar sobre a morte –, mas para isso me parece que devemos também falar sobre o tempo.
O romance da arte
Bernardo Carvalho
20.01.16
Muito da arte contemporânea já vem com legendas. É uma arte retórica, redundante e ilustrativa, que dispensa a crítica. Em seu livro de ensaios sobre artes plásticas, Keeping an Eye Open, Julian Barnes escreve justamente sobre a dificuldade de escrever sobre arte. E, por isso, procura pinturas que também sejam romances e pintores que também sejam personagens. Escreve sobre um quadro como se resenhasse um romance (ou o redigisse).
Maracanazo, as elipses e a morte
Carla Rodrigues
13.01.16
É em torno de elipses e de mortes que o jornalista Arthur Dapieve escreve os cinco contos de Maracanazo, em textos que vão do grotesco ao sofisticado numa velocidade que, à primeira lida, pode espantar. Inspirado por autores ingleses como Ian McEwan e o nipo-britânico Kazuo Ishiguro, Dapieve faz com as elipses aquilo que fazemos na vida: subentendemos a finitude pelo contexto, suprimindo cotidianamente elementos que poderiam tornar a morte uma evidência explícita.
“Ele é de esquerda?”
Bernardo Carvalho
06.01.16
O novo filme de Tarantino não poupa piadas e injúrias racistas, quase sempre fazendo a sala gargalhar. É um método arriscado, mas muito potente, de levar o racismo a nocaute – pela exaustão, pela própria truculência e pela própria imbecilidade. É possível que se houvesse um Tarantino no Brasil, nem chegassem a assistir a seus filmes, se contassem a história do racismo neste país, porque há quem diga que não existem negros no Brasil.
A força de quem não tem nada a perder
Carla Rodrigues
29.12.15
A reconstituição da luta feminina por direitos civis e trabalhistas do filme As sufragistas reflete conflitos atuais da política. Ao abalar os pressupostos da razão masculina como sinônimo de razão universal, as sufragistas do início do século XX e as feministas do início do século XXI participam de um processo político amplo que vem mudando a cara do mundo ocidental nos últimos 100 anos.
Propaganda
Bernardo Carvalho
23.12.15
Antes do novo Star Wars, é exibido um comercial de banco que discorre, com o auxílio da voz emocionada de uma atriz conhecida, sobre as boas coisas da vida. Ao contrário do episódio VII de Star Wars, ninguém é pobre, nem esfarrapado, nem feio nesse mundo do melhor da vida que o banco selecionou para você antes de dizer que é banco.
#primaveradasmulheres
Carla Rodrigues
16.12.15
Na #primaveradasmulheres, refloresceram as pautas políticas que já haviam animado outras ondas feministas do século 20, como a denúncia da violência sexual, o “meu corpo, minhas regras” e “o privado também é político”. A novidade é nos obrigar a pensar em novas formas de fazer política. Não se trata de criar hierarquias entre diferentes formas de luta, porque trata-se de uma filosofia política feminista que rejeita hierarquias.