Colunistas

“A barbárie se tivermos sorte”

Carla Rodrigues

25.02.15

O filósofo húngaro István Mészáros propõe uma redução da jornada de trabalho que funcionaria como “dinamite social”. Ela seria baseada em “metas autodeterminadas de realização da vida dos indivíduos particulares" e poderia também alterar relações familiares, promovendo igualdade na divisão das tarefas domésticas. O que me inquieta é ele ser mais um pensador de esquerda a aceitar a democracia liberal como a forma final de governo humano.

Epitáfio

Bernardo Carvalho

11.02.15

Amigos me disseram que Birdman, de Alejandro Iñárritu, era “contra tudo isso que está aí”, ou seja, o mundo das celebridades, das mídias sociais, da frivolidade e da superficialidade. Mas o filme é justamente “tudo isso que está aí”, repleto de personagens postiços que têm crises existenciais numa velocidade histérica. Um bom contraponto a Birdman é a exposição "Silence", de On Kawara, em cartaz no Guggenheim.

Crônica de um verão crônico

Carla Rodrigues

04.02.15

O sol nas bancas de revista fez do verão uma notícia e um modismo. Águas mornas, pôr do sol sob aplausos, conexão wi-fi nas barracas de praia, quitutes sazonais, sorvetes e cervejas artesanais fazem parte do ritual de calor e dor na cidade que em breve comemora 450 anos podendo se envergonhar de um recorde em seu longo processo de gentrificação. Nunca, em tão curto espaço de tempo, tantos de nós fomos expulsos de nossos ambientes em prol do estrangeiro.

O ovo da serpente

Bernardo Carvalho

28.01.15

O historiador da arte Aby Warburg (1866-1929) vinha de uma das famílias judias mais ricas da Alemanha e foi mandado para o sanatório Bellevue, na Suíça, depois de ameaçar matar a mulher e os filhos a tiros. Diagnosticado como esquizofrênico maníaco-depressivo, quis eliminar a família para evitar que fossem perseguidos, trancafiados em prisões secretas, torturados e assassinados, o que retrospectivamente teria feito dele também um visionário.

Tédio e submissão no livro de Houellebecq

Carla Rodrigues

19.01.15

Soumission é o livro com o qual Michel Houellebecq obteve os mais longos 15 minutos de fama de sua carreira, por estar na capa da edição da Charlie Hebdo no período do atentado. É injusto reduzir o romance a uma islamofobia, porque Soumission é muito pior que isso.

Guerrilha de ideias

Bernardo Carvalho

14.01.15

Tanto o quadrinista Joe Sacco como o escritor Teju Cole são nomes respeitados em suas áreas. Mas, em seus comentários sobre o atentado ao Charlie Hebdo, é como se eles se dirigissem a um público ignorante e ingênuo, que ainda acreditasse num mundo livre de contradições, dividido entre mocinhos e bandidos. É como se atribuíssem ao Ocidente a mesma uniformidade que os islamófobos atribuem ao Islã.

Uma senhora pornográfica, e por que não?

Carla Rodrigues

07.01.15

Ao incorporar a pornografia à sua obra, Hilst captura a crítica numa armadilha. Teóricos se veem obrigados a dividir sua obra em duas partes, a pornográfica e a não-pornográfica, e dar a Hilst a mesma fama da pornografia: maldita. De autora sofisticada e não lida, Hilst se faz leitura obrigatória quando o erotismo invade sua escrita.

Um homem se retira

Bernardo Carvalho

17.12.14

O poeta Mark Strand morreu há duas semanas, aos 80 anos, em Nova York. Seus poemas supõem a integridade e, também, o desaparecimento. É o contrário de um mundo de fantasmas infantilizados que, fascinados pela própria imagem, insistem em reproduzir e replicar o vazio imóvel, impotente e histérico da sua aparência. 

O (cis)gênero não existe

Carla Rodrigues

10.12.14

Ao longo da semana passada, denunciou-se a pichação dos banheiros femininos com slogans violentos de protesto contra a frequência de transgêneros. Para se afirmar como movimento político, o feminismo sempre se afirmou plural, por isso considero necessária uma crítica contundente às feministas radicais e seus fundamentos biológicos.

Preto não entra

Bernardo Carvalho

03.12.14

Em poucos segundos, a cadelinha Jack Russell já estava engalfinhada com o pobre cachorro preto. O dono, com a caipirinha na mão, virou-se para mim e disse, com um sorriso maroto de cumplicidade: “Ela não deixa preto entrar na festa”. O que faz um sujeito supor que outro branco, por ser branco, deve ser necessariamente racista, como ele?