Correspondência

De falsificações e falsificadores

Sérgio Sant'Anna

29.08.11

Mas vale a pena contar um caso. Pelos bares de BH, na década de 70, havia um sujeito apelidado de Makario, que vivia tirando poemas seus do bolso e mostrando às pessoas nos bares, que mal continham a impaciência e achavam os poemas muito ruins. Mas não é que o Makario um dia saiu mostrando um poema de Drummond, dizendo que era seu e todo mundo continuou a detestar. Noutro dia, mostrou um poema seu e disse que era de Drummond e muita gente não só acreditou, como gostou.

Há arte demais no mundo

José Geraldo Couto

25.08.11

Claro que todo mundo tem o direito de expressar seus sentimentos - e ressentimentos -, suas ideias banais ou extravagantes sobre a vida na terra. (...) Mas a arte, a arte é outra coisa. Basta ler uma estrofe de João Cabral de Melo Neto, ou um parágrafo de Guimarães Rosa, ouvir uma frase musical de Tom Jobim, ver um travelling de Stanley Kubrick, para imaginar quanto de esforço intelectual, quanto de educação dos sentidos foi investido ali, para além do talento natural de seus criadores. Temo que me chamem de elitista, acadêmico ou passadista, mas concordo com o artista plástico Luiz Paulo Baravelli, que uma vez declarou que "há arte demais no mundo".

Ainda os boleiros e outros tópicos

Sérgio Sant'Anna

22.08.11

Você, com certeza, sabe que o apelido de Heleno era Gilda, por causa da personagem do cinema interpretada por Rita Hayworth, bela, boêmia e temperamental, assim como foi Heleno, só que no masculino. Chegou aos meus ouvidos que uma vez o Heleno, jogando pelo Botafogo contra o Fluminense, em Laranjeiras, depois de ouvir em coro a torcida tricolor gritando "Gilda, Gilda", fez um gesto obsceno para a social do Fluminense. A polícia teve de fazer o possível e o impossível para evitar uma invasão de campo, coisa aliás comum naquela época.

Luxo para todos

José Geraldo Couto

19.08.11

Devo confessar, porém, que vou pouco ao teatro. Não chego a ser da turma do "Vá ao teatro, mas não me convide", mas quase sempre acabo optando pelo cinema na hora de sair de casa. No cinema, se o filme for aborrecido, a gente pode cochilar ou sair no meio sem criar constrangimento. No teatro, somos frequentemente acometidos pela "vergonha alheia", quando não pelo ímpeto de subir ao palco e esganar certos atores, ou pedir a cabeça do diretor.

A palavra encenada

Sérgio Sant'Anna

15.08.11

Mas não poderia falar de teatro sem mencionar aquele espetáculo, no meu entender e no de muita gente, o maior de todos já realizado no Brasil, Macunaíma, de Antunes Filho, dirigindo uma adaptação do francês Jacques Thieriot do romance de Mário de Andrade. Aliás, Antunes não negava, entre suas influências, Bob Wilson, assim como Kazuo Ohno e Pina Bausch. Como fiquei amigo do pessoal do grupo do Antunes, fui convidado algumas vezes para ver os bastidores de Macunaíma e de Nelson Rodrigues, o eterno retorno, também do diretor paulista. Esta experiência está narrada no meu conto "O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro", e também posso dizer que nunca mais fui o mesmo depois dela.

Escritores no set

José Geraldo Couto

11.08.11

Até hoje há quem diga que só livros ruins rendem filmes bons - e um exemplo muito citado é o dos ótimos filmes de Hitchcock inspirados em obras medíocres de Daphne Du Maurier (Estalagem maldita, Rebecca, Os pássaros). Mas há os contraexemplos incontestáveis: de Morte em Veneza (Mann/Visconti) a Vidas secas (Graciliano/Nelson Pereira), são inúmeros os casos de filmes que dialogaram de igual para igual com as obras-primas que os inspiraram. (Isso para não falar dos livros ruins que geraram filmes igualmente ruins.)

Filmes

Sérgio Sant'Anna

08.08.11

Mas e a minha surpresa, Zé, ao saber que o roteiro havia passado para as mãos de Fernanda Young e seu marido, cujo nome não me lembro, e o filme ia se chamar Bossa nova? Diante de tudo o que eu lia a respeito nos jornais e via na TV, logo entendi que o Bruno ia fazer uma comediazinha romântica com o Antônio Fagundes namorando a Amy Irving. Não participei de pré-estreias, festinhas e outros babados e fiz questão de assistir ao filme sozinho, numa sessão de meio de semana à tarde, praticamente me escondendo na última fileira do cinema, para não correr o risco de ser visto por algum amigo.

Todas as primaveras

José Geraldo Couto

04.08.11

Puxa, você esteve em Paris em maio de 68 e em Praga na primavera do "socialismo com rosto humano" - e voltou com essas coisas todas na cabeça para o sombrio Brasil dos generais. É sempre temerário fazer paralelos entre a obra de um artista e sua vida pessoal, ou deduzir aquela desta, mas não posso deixar de ver uma coerência profunda entre a tua vivência de experiências de liberdade e o caráter essencialmente libertário da tua literatura.

Os caminhos da liberdade

Sérgio Sant'Anna

01.08.11

E vou fazer uma confissão. Quando fui demitido da Petrobras por subversão, logo após o Golpe de 64, houve um lado meu que se sentiu aliviado. Como não fui preso ou sofri violências físicas, pensei: agora, quem sabe, vou poder escrever. E, de fato, tendo o meu pai amigos influentes, consegui um emprego na Justiça do Trabalho, de meio horário, tudo o que um aspirante a escritor poderia pedir.

De Fidel a Neymar

José Geraldo Couto

28.07.11

Que maravilha essa sua história com o Fidel Castro, não só o encontro em Havana, mas também o destino da foto do "grande comandante". Acho que esse episódio sintetiza todo um processo, o do entusiasmo e posterior desencanto da sua geração e da minha (que, afinal, talvez sejam a mesma) com Fidel, Cuba, o comunismo, o marxismo.