Especulações sobre uma Granta portuguesa

Literatura

07.08.12

Acreditem: tem uma polêmica-barra-beicinho que, acho eu, ainda não foi levantada em relação à revista Granta: os melhores jovens escritores brasileiros. Na verdade, nem sei se chega a ser a uma polêmica, porém, desde que o projeto foi anunciado, uma dúvida me ocorria vez ou outra: por que saiu uma Granta com os 22 melhores jovens autores de língua espanhola (não 22 argentinos ou mexicanos ou espanhóis) e agora sai uma com os 20 verde-amarelos, ao invés dos 20 melhores de língua portuguesa? Imagino que a resposta seja o bom momento financeiro do Brasil, a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor, cultura para exportação.

Mas, ainda assim, lembro que o Prêmio Zaffari e o Portugal Telecom já aceitam os amigos da lusofonia nas suas premiações (desde que publicados no Brasil). Tem o Prêmio Saramago também. Agora, imagine se a Granta tivesse aberto a seleção para todo mundo que escreve na língua de Camões?

Há um ano, essa hipótese só me fazia pensar que a disputa seria ainda mais ferrenha e também que, ao não ser aberto a todos lusofalantes (e escreventes), autores como Ondjaki ou José Luis Peixoto não poderiam fazer parte da antologia. E, depois de um ano vivendo aqui em Lisboa, fuçando livrarias, tenho certeza de que a competição ganharia novos e fortes candidatos, e que muita gente boa poderia entrar em uma eventual Granta Lusófona.

Como não gosto muito de chororô, nem de polêmica e cara feia, resolvi fazer assim: trocar os questionamentos por um exercício de edição imaginária. Como a antologia brasileira já saiu, resolvi me converter em jurado único e fazer a seleção para uma hipotética Granta Portuguesa (a lusófona ainda levaria meses para fazer, teria que andar pelos outros países, ler a imprensa local etc.) baseado no que leio por aqui, nas notícias literárias, nem que seja para dar uma ideia do panorama dos escritores com menos de 40 anos de Portugal. Então faz de conta que estamos em Póvoa de Varzim, no Correntes d’Escritas (o mais próximo de uma FLIP lusitana), e vamos aos selecionados:

1) José Luiz Peixoto (1974): o quase óbvio, daqueles que fariam todos dizerem que restam 19 vagas. Traduzido, esteve na FLIP, sucesso de público e crítica, seria até curioso pensar o que ele publicaria na minha Granta, já que seu último livro, o Livro, aponta uma mudança de tom em relação à prosa poética que ele adotava até então.

2) João Tordo (1975): não li a fundo o João Tordo. Mas o rapaz já tem no currículo um prêmio José Saramago, um livro finalista do Portugal Telecom, obras publicadas no exterior, traduziu Carver e outros e, pode parecer bobagem, assina a epígrafe da abertura de O romance português contemporâneo, um estudo de Miguel Real sobre romancistas portugueses dos últimos 60 anos. É, sem dúvida, um dos nomes em ascensão em Portugal. E Anatomia dos mártires, seu título mais recente, foi muito comentado.

3) Patrícia Portela (1974): se o júri fosse conservador, não sei se ela entraria. Mas, como não sou conservador, ei-la. Acho que, se perguntar para 10 pessoas quem vem fazendo algo diferente em literatura portuguesa, oito dirão Patrícia Portela (os outros dois estavam vendo TV). Para cima e não para o norte e Odília ou a História das Musas Confusas do Cérebro de Patrícia Portela são obras ricas em experimentações e testes dos limites narrativos.

4) Ricardo Araújo Pereira (1974): o RAP, como é conhecido por cá, nem sei se ele se interessaria em participar. Mas resolvi ousar: além de ser o grande nome do humor portuga (maior que Manuel e Joaquim), é cronista, adaptou texto para teatro e, lendo seus prefácios para a coleção de humor que organiza para a Tinta da China, dá para ver que tem leituras bastante sofisticadas. Parece que se alguém dissesse: “Vai, escreve e manda”, ele entraria na briga.

5) Jorge Reis-Sá (1977):  além de escritor, é editor e cronista. Tem quase 20 livros, mas, apesar disso, confesso que conheço muito pouco. Todavia acho que as apostas para a Granta têm um pouco disso: aquele cara que eu não li, mas tenho certeza de que vai entrar. (Diz aí, quem não fez isso?)

6) Rita Taborda Duarte (1973): embora com uma obra predominantemente voltada para literatura infantil, a Rita tem boa circulação no meio literário português, tem poesia publicada, está presente em eventos, colabora com crítica e, vez que outra, especialmente a convite, arrisca ficções. E, pelo que já li, acho que entraria no páreo.

7) Jacinto Lucas Pires (1974): feliz descoberta que fiz em Portugal. Tem dois livros escondidos no Brasil, editados pela Gryphus. Mas aqui é mais um dos casos típicos portugueses: trinta e poucos anos e 15 peças de teatro (entre encenadas e publicadas) e quase oito livros entre romances e contos. Estou lendo O verdadeiro ator, belo e divertido romance.

8) João Ricardo Pedro (1973): nem que seja pela história pessoal. Esse engenheiro eletrônico foi demitido em 2009 e, como a crise já era forte, se trancou em casa para realizar o projeto de escrever Teu rosto será o último. Dois anos e meio depois, faturou os 100 mil euros do prêmio Leya, o romance foi o mais vendido da editora na Feira de Lisboa e já vai para a 6ª edição.

9) Joana Bértholo (1982): recentemente lançou Havia, livro que fica na corda-bamba do experimentalismo e do maneirismo, mas que recebe palmas do mundo literário local. E a moça, desde muito cedo, empilha prêmios e resenhas positivas.

10) Pedro Mexia (1972): é daquelas apostas – tem admiradores como poeta, crítico e ensaísta. Escreveu para TV, traduziu Tom Stoppard para o teatro, escreveu para os palcos também. Embora não ache registro de contos desse gajo, será que ele não arriscaria?

11) Rui Tavares (1972): em algum recanto da internet leio que “escreveu não ficção e ficção, uma peça de teatro e tem ?sempre ideias’ para romances e contos, mas o que gosta mais é de fazer tradução’. Além disso, é Eurodeputado (é mole?) e seu livro-ensaio O pequeno livro do grande terramoto já esgotou algumas edições e foi premiado. Só não sei se um deputado europeu teria tempo para essas coisas (assunto teria).

12) Sandro William Junqueira (1974): Mais um desses homens banda das letras e artes portuguesas: teatro (escreve, atua, encena), poesia, design e dois romances. Frequentou os principais eventos literários do país. E andei lendo o começo dos seus dois romances e, pela amostra, dá para imaginar que o trecho de um terceiro livro enviado para a minha Granta teria seu valor.

13) David Machado (1978): Começou escrevendo literatura infantil, ganhou prêmios na área e agora já tem romances e um livro de contos. Vem participando de um bom número de eventos, está traduzido em alguns idiomas e seu último título, Deixem falar as pedras, foi bastante elogiado, além de ter uma poderosa frase de começo, daquelas de fazer seguir por mais umas páginas.

14) José Mário Silva (1972): JMS é uma sigla que pinga no final de umas quantas críticas e artigos na Revista Ler. E ele já escreveu em tantos outros veículos de prestígio de cá que chego a pensar se ele não seria júri da Granta Lusa. Mas, ora bolas, o júri sou eu. Então, o JMS, que tem dois livros de poesia, um de contos e textos traduzidos n’alguns países, entraria nem que fosse para dizerem que fiz jogo de compadrio para me garantir boas resenhas.

15) Pedro Eiras (1975): Parece que já são mais de 20 livros, do ensaio ao teatro, da poesia ao romance, até alguns divertimentos. Já li contos dele em sites e há textos bem interessantes e também variados. Tão variados, que se o júri (eu) julgar só o texto enviado, e o Pedro Eiras errar na escolha, pode ficar de fora. Mas acho que o júri (eu) terá sensibilidade.

16) Pedro Vieira (1975): é blogueiro tido e reconhecido por essas áreas, ilustrador da Revista Ler, nome das mesas sobre a nova geração portuguesa e o lançamento do seu primeiro romance foi bastante saudado nos nichos literários. Apesar de ter um livro só, possui vários carteiraços que podem valer a vaga ou uma torcida de nariz. Aí encontrei uns trechos de Última paragem, Massamá, li e, opa: entra.

17) Ricardo Adolfo (1974): nascido em Luanda, criado em Lisboa, vive em Amsterdam. Não tem tantos livros como a média dos escritores lusos, mas parece que todos os três, além dos bons títulos (Os chouriços são todos para assar, Mizé ?antes galdéria que normal e remediada e Depois de morrer muita coisa me aconteceu) foram bem recebidos. Li contos do primeiro e partes do último livro e vi um autor apurando uma linguagem suburbana para falar de periferia e imigração.

18) Joel Neto (1974): Negócio é o seguinte: Febre de bola do Nick Hornby é um livro muito sério para mim. E a cena do Filho eterno em que o protagonista assiste a um jogo do Atlético-PR com o filho e reflete sobre os aprendizados dessa experiência me bate forte. E o Joel Neto retornou aos romances com Os sítios sem resposta, com pais, filhos, futebol e a sensibilidade para fazer literatura com essa mistura.

19) Paulo Bandeira Faria (1972): Existe uma editora em Portugal, a Maria do Rosário Pedreira, que é uma espécie de Grantinha ambulante. Descobriu José Luis Peixoto, Valter Hugo Mãe, João Tordo e todos ficam de olho no que ela lança. Pois ela revelou o Paulo Bandeira há cinco anos. E, quando foi chamada para renovar a Teorema (Grupo Leya) com o “novo, diferente e interessante”, um dos três portugas lançados por ela, adivinha quem foi? O primeiro livro pode ser aposta. Mas fazer o segundo cheira a confiança.

20) Tiago Patrício (1979): É poeta, mas escreve para grupos de teatro. É farmacêutico, mas tem projetos que cruzam música, poesia tradicional japonesa e portuguesa, além de ter textos traduzidos na França, Egito, Eslovênia e República Checa. É uma aposta (pelo amor de Deus, Grantas têm que ter), mas também foi vencedor, com o romance Trás-os-montes, do Prêmio Augustina Bessa Luis de Revelação 2011, que pagou 25 mil Euros para o eleito. O Tiago, no caso.

Eis a lista. Antes de apontarem tudo o que está errado, quero comentar duas coisas. Evidente que neste instante há um sujeito espinhento em Beja ou Estremoz, que publicou uma edição de autor e que vai mandar um conto violentamente bom. Mas não tem como eu saber dele agora. E sim, o critério idade, se fosse aberta mesmo essa seleção nos lados lusos do Atlântico, também geraria lamentações quanto à sua arbitrariedade. Por que 40, e não 41 ou 42 anos? Imagina: por um ou dois anos, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, Patrícia Reis, Afonso Cruz (que é um gajo que anda por cima do peixe seco aqui) e uma turma valorosa não poderiam participar. E atenção: o choro seria ainda mais dramático. No tom do fado. Talvez o pessoal da Granta tenha previsto isso.

P.S.: Serviço de utilidade pública! José Luis Peixoto, João Tordo, Ricardo Araújo Pereira, Jorge Reis-Sá, Rita Taborda Duarte, Jacinto Lucas Pires, José Mario Silva e Pedro Eiras já têm livros no Brasil. Muitos autores do Grupo Leya (Joana Bertholo, Sandro William Junqueira, David Machado, Pedro Bandeira Faria e João Ricardo Pedro) possuem obras em e-book na Livraria Cultura. Pedro Mexia também (e parece que em breve lançará algo no Brasil). Livros de todos os autores podem ser encomendados no site da Bertrand ou mandando e-mail para a simpática livraria lisboeta Pó dos Livros, ou, ainda, na própria Cultura. Boa leitura.

* Na imagem que ilustra o post: o escritor José Luis Peixoto.

* Reginaldo Pujol Filho organizou a antologia Desacordo Ortográfico (2009), que reúne autores lusófonos do mundo todo.

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