César Oiticica Filho conversou com José Carlos Avellar, coordenador de cinema do IMS, sobre as escolhas que fez para Hélio Oiticica, o documentário que realizou sobre seu tio, em cartaz no cinema do IMS-RJ. Segundo o diretor, a estrutura do filme, em camadas, remete à obra do artista plástico, um dos idealizadores do movimento neoconcreto e criador de obras fundamentais para a arte contemporânea brasileira, como “Tropicália” e os parangolés.
César Oiticica Filho
JCA: Bem no começo, um pedacinho de um letreiro de A greve, de Eisenstein…
COF: Estava procurando imagens das manifestações de rua, em Moscou, em 1917, cinejornais da época, mas não encontrei. Fui então ao filme de Eisenstein, uma ficção sobre as greves de 1917. Nesse mesmo ano tivemos a greve geral anarquista no Brasil. O avô do Hélio foi um dos artífices. Quando encontrei esse HO num dos letreiros de A greve, imediatamente senti que essa deveria ser a primeira imagem do filme. São as iniciais de Hélio Oiticica, uma citação do filme que o Ivan Cardoso fez sobre ele, H.O., e uma indicação de Eisenstein como a grande referência.
JCA: Isto é, montagem. Você fez um filme de montando materiais de arquivo.
COF: Mas filmamos muito, não usamos apenas imagens de arquivo, tem muita coisa filmada ao lado dos materiais de arquivo. Montagem porque é um filme feito em camadas, ideia que vem da própria obra do Hélio: a saída do quadro para o espaço, a pintura fragmentada em pedaços que se agrupam e formam uma obra tridimensional. Há uma cena em que o Hélio diz: “Eu não quero montar nada”, mas nosso filme é totalmente montado. O Hélio fala de tudo, não só do trabalho dele. Fala do universo da criação. Mil ideias em textos, depoimentos e entrevistas. O Hélio uniu a reflexão com a criação artística. Tudo isso acaba formando uma grande colcha de retalhos. Daí, quando fui fazer o filme pensei em montar todas essas ideias dele, procurei fazê-lo em blocos.
JCA: Blocos na imagem e no som, pois a narração resulta da montagem de diversos depoimentos do Hélio…
COF: As Heliotapes… A base da narrativa do filme são as fitas gravadas pelo próprio Oiticica. São horas e horas de depoimentos e diálogos, declarações sobre sua vida e pensamentos sobre arte para os amigos. Já conhecia as fitas, e com a descoberta de filmes em super 8 do Hélio achei que daria um documentário incrível. Segui em pesquisa, com o Antônio Venâncio, reunimos imagens do Hélio no filme do Glauber, no filme do Bressane, do Solberg, do Mautner – além das imagens do Ivan Cardoso, e fui vendo que poderia colocar o espectador no olho do artista, na cabeça dele. Apresentá-lo, enfim. Mesmo quem acha que conhece o Hélio, não conhece. As chamadas Heliotapes são um acervo muito grande, daria até para fazer outro filme com os áudios que não usamos aqui.
JCA: No Festival de Berlim, o documentário ganhou dois prêmios, o da Crítica Internacional e o Prêmio Caligari, destinado a obras formalmente inovadoras.
COF: É um documentário, mas talvez seja mais um filme experimental sobre o Hélio e inspirado pelas ideias dele. Foi um processo de realização bastante longo, um trabalho de formiguinha. Enquanto estava filmando, fiquei aberto para o que acontecesse na hora. Não sabia se ia ficar bonito, não tinha nada estabelecido. Tinha só a ideia de um filme como uma aula sobre a arte conduzida pelo Hélio. A ideia de manter vivo o legado de Hélio Oiticica.