Quando Lacan pronunciou o famoso “Discurso de Roma”, lá se vão mais de 50 anos, propunha uma retomada radical da psicanálise a partir da percepção de que o sujeito é sujeito do inconsciente ou, o que daria no mesmo, sujeito da linguagem, aqui entendida como equívoco, como expressão do que não se fecha no “eu”. Não há verdade na linguagem, ou a verdade da linguagem é a verdade do inconsciente, são formas de pensar o humano sob a marca da falta.
O psicanalista francês Jacques Lacan
Muito mais se poderia dizer da experiência da psicanálise, mas não é o caso. Meu interesse aqui é pensar o estatuto contemporâneo da linguagem, considerando como hipótese um contexto inteiramente imerso nas tais “engrenagens das leis do bláblá”, para usar a tradução do discurso de Roma editado pela Zahar em Outros escritos. As tais engrenagens são aquelas em que o sujeito fala, fala, fala, mas para não dizer nada de si. Ao psicanalista, diz Lacan, cabe se interessar por esse blábláblá a fim de atravessá-lo em direção ao inconsciente. Da década de 1950 para cá, há algo nesse blábláblá que talvez mereça ser repensado, algo de uma tal transformação que certamente não se esgota nesse artigo; algo que me inquieta diante do blábláblá infindável, seja nas redes sociais, seja em discursos que parecem estar apenas e propositalmente no campo das engrenagens. A partir da leitura de Michel Foucault, o filósofo Giorgio Agamben repensa a noção de dispositivo disciplinar para entender os objetos como dispositivos e os sujeitos como viventes. No encontro entre dispositivos e viventes, se dá o que ele chama de um processo de dessubjetivação. No campo desta dessubjetivação estaria o fenômeno que eu ousaria chamar de discursos sem sujeitos.
Penso, por exemplo, no fenômeno das hashtags, que saem das redes para os discursos de sujeitos cujo único propósito é se manter “na engrenagem das leis do bláblábá”. Nesse sentido, infinitas hashtags poderiam formar um sujeito sem linguagem, ou uma linguagem sem sujeito, mera repetição indexada de um blábláblá infinito daquilo que, por não se constituir em linguagem como caminho de construção de subjetividade, tem apenas e propositalmente efeito redutor. São palavras repetidas ao infinito, num processo de repetição que tem como objetivo esvaziar a linguagem da perturbação do significante.
Pensar uma linguagem sem sujeito, num blábláblá interminável, também me permite pensar no caráter radicalmente performativo das redes sociais, expresso no uso das hashtags. Palavra dicionarizada pelo Oxford Dictonary esse ano, as hashtags surgiram como desdobramento do uso de tags – indexadores de conteúdo usados em plataformas de publicação on-line. Antecedida do símbolo #, qualquer palavra ou frase tornou-se ferramenta de indexação.
Desenvolvida pelo linguista John Austin, a concepção de ato de fala perfomativo reconhece, basicamente, que falar é fazer. “Como fazer coisas com palavras”, seu livro mais importante, desenvolve a ideia de que sentenças linguísticas são em si ações. Atos performativos operam, produzem e transformam o mundo. Pense nos três verbos que entraram nas nossas vidas depois do Facebook: curtir, comentar, compartilhar. São performativos que entraram nas nossas vidas com a mesma relevância que o Facebook passou ocupar grande espaço nas formas de socialização contemporânea. A cada clique, um ato performativo não verbal, para usar a expressão do ótimo artigo de Henrique Rondinelli (PUC-Rio), ao qual cheguei por sugestão de uma pesquisadora das relações entre Austin e Derrida, a professora Rachel Nigro (PUC-Rio). Com estes três verbos, o Facebook mudou a nossa forma de relação com o mundo e alterou a nossa vida social.
Perturbador, no entanto, é que essa vida social possa ser resumida a expressões prontas, meros dispositivos aos quais um sujeito esvaziado de subjetividade recorre como expressão de não capacidade de expressão de si, como fórmula pronta de uma engrenagem cujo objetivo é a perda da experiência de se perder na linguagem. Como se este artigo pudesse ter sido escrito assim: #prontofalei #ficaadica #fikaadika #prayerforpalestina #lutoportintin
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