Ilusões perdidas

Correspondência

08.12.11

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Meu querido Dapieve:

Desde 1978, quando o Peru se autossodomizou, de calções baixados, para que a Argentina metesse 6 vezes, tirando o Brasil da disputa pelo título, e nos deixando na gloriosa condição de “campeões morais”, que prometo parar com a fissura em futebol e ir pescar. Sendo por natureza voltado para livros e silêncio, sempre senti inveja daqueles sujeitos que via, mesmo com o tempo ruim, ao lado de um molinete e apetrechos, entre os quais um isopor fundamental, que talvez contivesse variegadas iscas, mas que em minha, como diz o Jaguar, mente doentia, sempre julguei repleto de cervejas, vodka, vinhos e outras bebidas em garrafinhas de frigobar para se ajustarem ao clima e ao estado de espírito do pescador.

Apesar das maluquices do hoje incensado Telê (escalar um time de craques com Serginho Chulapa, por exemplo), do intolerável lazaronês, de Kalos Abertos Barreira, de Mário Jorge Lobo Bobo Gargallo (nada a ver com álcool, que fique bem claro, mas com a espuma de rancor e frustação pelo furo, o que é difícil entender com tantas vitórias proclamadas – e muitas derrotas omitidas do currículo), de Felipum, de outra overdose de Pabarreira, do dueto tragicômico Dunga e o Angelicapacho Jorginho, e agora de Mano “Garganta Profunda” Menezes, ainda não consegui meu intento. Creio que, diante do último brasileirão, do esquema Corinthians e Ricardo Teixeira, devastado pelo grande Tostão, do dedo de Lula na mutreta do estádio em Itaquera, juro que pegarei em meus combalidos caniço e samburá, e pescarei, nem que seja no chafariz da praça Xavier de Brito. Estou absolutamente farto!

Leio nos jornais, de queixo caído, sobre as enormes somas gastas – e crescendo – em obras que não andam para a Copa do Mundo, em lugares remotos, como Touceira da Velha. Alguém me corrigirá: “peraí! Não tem Touceira da Velha”. Por enquanto, por enquanto… Ainda estamos em estado de Gabão. Deve ser fofoca, mas me contaram que vários cadáveres e crocodilos foram removidos daquele gramado antes da significativa peleja. O lodo que vimos simboliza bem os projetos para Copa e Olimpíadas. Saudade de ouvir o brado de Tião Macalé:

– Nojentos!

Também não suporto mais a tal “base de sustentação”. Ninguém compraria, não digo um carro usado, mas uma corrente de bicicleta velha na mão do Lupi. Passo a palavra a Saul Bellow, em A mágoa mata mais: É muito mais que provável que ninguém seja inocente, e que as massas na verdade compartilhem do cinismo de seus governantes. Os hábitos cautelosos do pensar estão amplamente disseminados. Forças externas nos são injetadas, penetrando até mesmo em nosso sistema nervoso. Quando um indivíduo as percebe dentro de sua própria cabeça, o fato de elas surgirem ali parecem inteiramente natural, e o que essas forças dizem faz realmente sentido, da mesma forma como Hitler e a população da Alemanha falavam uma mesma língua.

Que falta nos faz um escritor dessa categoria, principalmente quando proliferam teorias e impressões de Francis Fuque-Fuqueyama e do arquiassassino Henry Kissinger. Como você fez recentemente, também vou citar o Verissimo: “Só lerei memórias do Kissinger quando forem do cárcere”.

Meu quarto está uma tremenda bagunça, num protesto individual contra as faxinas. Estávamos aguardando a faxina no ministério dos esportes, quando Orlando Furioso foi substituído por Aldo, o Desmatador, e o aparelhamento continuou. A bomba de lama estourou no ministério do trabalho de Lupi, o Lupus. Assim que ele caiu, não deu pra faxinar. Explodiram os sanitários na pasta das cidades. Eu tinha certeza que ia dar merda. Quando ouvi falar em “pasta de cidades”, pensei logo em Hiroshima e Nagasaki. Faxineiros atônitos vagam de vassouras e baldes ao acaso, e o esgoto já está vazando em outro ministério, esqueci qual, é muita informação.

Não quero encerrar de forma pessimista. Penso no México, beneficiado pelas fronteiras e acordos com os Estados Unidos. Legal. De 2006 pra cá, foram mais de 40 mil mortos nas guerras do narcotráfico, que agora deixa mensagens na pele das vítimas. O mais violento cartel parece ser o de Guadalajara, o “Zetas” – mas, atenção!, o governo de Jalisco, cuja capital é Guadá, protege o cartel rival, de Sinaloa.

Estamos quase chegando lá, né? Só negócios, nada pessoal, como disse o assassino de Celso Daniel, naquela queima de arquivo nunca satisfatoriamente esclarecida.

Vamos apelar pra quem? Pra Chevron?

Cacos de abraço,

Aldir

* Na imagem da home que ilustra este post: lance do jogo entre Argentina e Peru, na Copa do Mundo de 1978

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