No número mais recente da revista serrote, o jornalista e diretor de redação da Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, publicou um ensaio sobre o livro O jornalista e o assassino, de Janet Malcolm.
Recém-editado no Brasil pela Companhia das Letras, o livro trata da relação entre o médico Jeffrey MacDonald, acusado de matar a mulher e as duas filhas, e o jornalista Joe McGinniss, encarregado de escrever sobre o caso.
McGinniss conquistou a confiança do médico, que abriu caminho para a reportagem e deu acesso a sua intimidade. Quatro anos mais tarde, quando o livro veio à tona, o médico era apresentado do início ao fim como um assassino psicopata.
Em O jornalista o assassino, Malcolm parte desse caso para analisar as implicações da relação entre jornalista e fonte: em seu entender, a fonte é sempre o lado frágil da relação.
Na entrevista abaixo, Frias Filho responde a quatro questões formuladas pelo blog do IMS sobre o livro de Malcolm. Na edição impressa da serrote, veja a íntegra de seu ensaio.
Janet Malcolm afirma em O jornalista e o assassino que o jornalismo é uma atividade moralmente indefensável. É uma frase de efeito, como o senhor mesmo diz no texto, mas, ainda assim, seria possível extrair dessa sentença uma espécie de guia no intuito de evitar os excessos da profissão?
Parece-me uma frase de efeito, mas ao mesmo tempo uma advertência dura sobre a qual todo jornalista faria bem em meditar. Um dos principais problemas da atividade jornalística é a arrogância que ela costuma ensejar em quem escreve. Quase sempre sabemos pouco sobre o assunto a ser focalizado e mesmo assim temos propensão a chegar facilmente a todo tipo de certezas, que por sua vez refletem nossos hábitos adquiridos de pensamento. A frase de Janet Malcolm, com seu alcance drástico, deveria ser um convite a pensar contra nossos hábitos, contra nossas tendências e impulsos.
O princípio da relação entre fonte e jornalista implica sempre desconfiança? Malcolm defende que a fonte sempre sai perdendo. Mas o desafio para o jornalismo hoje não é o oposto, quer dizer, manter-se crítico e não ceder sempre aos interesses das fontes?
Malcolm costuma abordar, em seus ensaios, a luta entre versões narrativas em torno da memória de grandes escritores do passado ou de processos judiciais intrincados. Ela diz pouco ou nada sobre o jornalismo noticioso, que se volta para revelações de notório interesse público, relatadas em regime de urgência e capazes de interessar qualquer adulto alfabetizado. Nesse tipo de jornalismo é frequente que as fontes disponham de grande poder e estejam no polo manipulador da relação com o jornalista.
Janet Malcolm recorre diversas vezes à psicanálise para descrever a relação entre jornalista e fonte. Em seu texto, ao identificar esse traço no livro, o senhor afirma que, em alguns casos, “jornalista e analista atuam em direções exatamente opostas”. Poderia desdobrar a afirmação?
Jornalista e psicanalista atuam em direções opostas, nesse contexto, porque enquanto ao primeiro cabe tornar a narrativa mais interessante, ressaltando tudo o que ela contiver de espetacular e inusual, cabe ao segundo decompô-la, buscando sua “banalidade”, aquilo que a aproxima da vida da grande maioria das pessoas.
Malcolm é representante de um tipo de jornalismo – o jornalismo literário – que encontra interesse renovado no Brasil, com revistas dedicadas à prática, coleções lançadas por grandes editoras e encontros literários que se dedicam a discuti-lo. Isso tem transformado o tipo de jornalismo feito pela grande imprensa? Em outros termos: quais os ganhos e armadilhas por trás dessa concepção de jornalismo?
Os ganhos, a meu ver, decorrem de um exame jornalístico mais detido, mais elaborado, menos superficial que o costumeiro. Em alguns casos, pode-se atingir uma qualidade literária que tem valor em si. As limitações são duas, na minha opinião. A grande maioria dos leitores não tem tempo, paciência nem treinamento para consumir o chamado jornalismo literário. E este pode, às vezes, resvalar para o irrelevante, o frívolo, o inessencial.