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Grande Guru,
Logo se vê que somos homens de família… A mãe, a filha…
O fascínio dos europeus e de nós seus descendentes pelas partes glabras vem de há muito. Está registrado até na carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei. “Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha”, babou o gajo, depois de meses no mar e muitos anos enterrando-se entre bastas cabeleiras lusas.
Se existem advogados de porta de cadeia, certamente existem psicanalistas de porta de Inconsciente, como quer o Marcelo Madureira, e nisso eu sou autodidata. Ao relembrar o descobrimento do Brasil, lembro-me do meu próprio descobrimento, o do sexo. Na verdade, eu não sabia o que era nem para que servia, mas intuía que gostaria. Ou seja, como os portugueses, que perseguiam o caminho para as outras Índias, diante do Brasil. Fui criança sob a ditadura (sem trocadilho, por favor) e não havia essa vasta exposição de carnes em revistas, sites, TV e cinema. Em certos canais por assinatura, depois de meia-noite libera geral e rola sacanagem light, light só por ser sugestiva, não explícita – aparece quase tudo o que tem para aparecer nas donas. Ah, seu fosse guri hoje em dia…
No final dos anos 60 para os anos 70, porém, não havia muitos lugares onde um guri curioso pudesse contemplar a inteireza da figura feminina. Eu era viciado em banca de jornal e descobri que havia uma exceção nessa burca social: postais com fotos de índias, postais que eu colecionava num álbum de capa verde (onde terá ido parar?), embora, à época, nem ligasse direito o nome à pessoa. A ficha só foi cair há poucos anos, numa sessão de autoanálise de porta de Inconsciente. Nos postais, eu podia contemplar as jovens índias peladonas e ainda afetar um precoce interesse antropológico. Uma tia umbandista achava, tolinha, que o meu interesse pelas fotos do Xingu se devia à existência de um caboclo saudoso de sua maloca dentro de mim. Nem eu nem ela imaginávamos que o que eu queria era estar dentro de uma cabocla.
Creio que minha preferência por morenas e não por louras também tenha nascido na observação daquelas moças bem moças, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas. Bárbara Evans é loura, certo. Se apenas está loura, sua nudez escanhoada não fornece evidência. Mas lá está sua vergonha, tão alta, tão cerradinha, tão limpa de cabeleira… Logo, Bárbara se torna cabocla honorária e mexe com os meus instintos mais primitivos (essa contribuição o Bob “Mato nos peito” Jefferson deu à língua pátria, temos de admitir). Entendo, pois, a situação-limite vivida por você no seu escritório com a mãe da moça, a Monique. Fosse eu a completar 50 anos, e a perna na poltrona do meu escritório fosse a da Bárbara, acho que não teria tido a sua têmpera, ó guru: receberia cartão vermelho, tapa na cara e divórcio por justa causa.
Todo esse nosso papo me lembra uma das muitas frases geniais do Millôr, frase que cito de memória: tarado é um homem que age igual a qualquer outro, mas é pego no ato.
Bem, me despeço aqui, meu amigo. Agora que nossas conversas voltam para as trevas, a gente pode voltar a pegar pesado.
Abração,
Arthur
* Na imagem da home que ilustra este post: mulheres na cerimônia do Yamaricumã, c. 1975, Parque Indígena do Xingu-MT (foto de Maureen Bisilliat/acervo IMS)