Stravinsky

Música

13.06.13

Pouca gente sabe que Stravinsky esteve no Brasil duas vezes, a primeira em junho de 1936. Uma crônica de Luís Martins (publicada originalmente em O Estado de S. Paulo em agosto de 1965) descreve algumas impressões do compositor russo sobre o nosso país durante essa visita. Reproduzida abaixo, esta crônica abre a série Crônicas musicais de Luís Martins, que será publicada às quintas-feiras no Blog do IMS a partir de hoje e pelas próximas quatro semanas.

Quem trouxe Stravinsky ao Rio de Janeiro na ocasião foi a escritora e ativista política argentina Victoria Ocampo, que organizara para ele uma apresentação em Buenos Aires. Investida do papel principal em Perséfone, a própria Ocampo declamava, enquanto Stravinsky regia sua ópera-balé com libreto de André Gide.

A segunda e mais conhecida visita de Stravinsky ao Brasil ocorreu em 1963, quando ele regeu duas apresentações da Missa, uma no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a Filarmônica de Londres, outra na Candelária, com a Sinfônica Nacional.

Clique para ver em tamanho maior. (Coleção Pedro Corrêa do Lago)

Stravinsky

LM

A VIII Bienal vai-se inaugurar com a Missa de Stravinsky… Lembro-me de Stravinsky e dele até conservo uma fotografia autografada. Foi em 1935 ou 36, no Rio. O grande compositor realizara em Buenos Aires uma série de concertos e, de passagem pela antiga capital da república brasileira, parara uns dias a fim de realizar, no Teatro Municipal, um único espetáculo: se bem me lembro, a apresentação de Perséfone, com Victoria Ocampo declamando e o próprio maestro regendo a orquestra do Municipal.

Havia na plateia umas oitenta pessoas – na maioria, críticos de música, artistas, jornalistas e intelectuais ­- e Stravinsky estava por conta. Eu sabia, porque o entrevistara durante um ensaio. Estava por conta com a orquestra.

– Não a entendo – dizia, agastado. – Em qualquer parte do mundo um “dó” é um “dó” e um “fá sustenido” é um “fá sustenido” etc. Aqui é o que passa pela cabeça dos músicos…

Não sei bem se se tratava de “dós” e “fás sustenidos” (sou ignorantíssimo em termos técnicos musicais), mas o sentido da coisa era esse. Stravinsky achava que era o fim a nossa principal orquestra.

O pequeno número de espectadores que o aplaudiu na noite do espetáculo (aliás, delirantemente, pretendendo compensar a escassez com o entusiasmo) parece que também o desapontou terrivelmente. Ao embarcar para a Europa, ele declarou, com a maior sem-cerimônia, aos jornalistas:

­- O Brasil ainda está muito verde para a minha música. Talvez daqui a cinquenta anos ele venha a compreendê-la…

Cinquenta anos ainda não se passaram. Trinta bastaram para que as plateias brasileiras compreendessem a música de Stravinsky; e até menos, pois há muito ele já é aqui justamente conhecido e admirado.

Aliás, muitas coisas mudaram… A orquestra do Teatro Municipal do Rio é hoje um conjunto musical de primeira ordem ­- e há muitos anos já deve ter aprendido que um “fá sustenido” não é precisamente um “si bemol”… E o gosto das plateias amadureceu, tornou-se mais polido e requintado. O Brasil de 1965 está para Stravinsky.

Com um certo atraso, convenhamos. Mas eu falo de um Brasil antigo, anacrônico, sonolento, quase colonial… É uma pena que o grande compositor não esteja aqui, para ver com os seus próprios olhos a transformação – e como se enganou como profeta.

* O carioca Luís Martins (1907-1981) foi cronista do jornal O Estado de São Paulo de 1949 a 1981, onde assinava uma coluna diária com as iniciais LM. Na década de 1930, trabalhou em O Jornal, dos Diários Associados, o que explica a dedicatória na foto (“Aos Diários Associados, uma lembrança de Igor Stravinsky – Rio, 21 de junho de 36”).

Igor Stravinsky

(Coleção Pedro Corrêa do Lago)

Mais

A sagração da primavera – no Clássico da Rádio Batuta, Arthur Dapieve apresenta diferentes gravações da célebre e agora centenária composição de Stravinsky para o balé de Nijinsky.


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