José Geraldo Couto

Fronteiras de fita crepe

José Geraldo Couto

21.09.17

Um retrocesso político, social e moral como o que estamos vivendo parece exigir, para completar seu estrago, um embotamento geral da sensibilidade e da inteligência. Em outras palavras, querem nos tornar brutos e burros. E é contra isso que reage um filme como Pendular, sobre afetos e intimidade.

Um filme de mocinho

José Geraldo Couto

15.09.17

Polícia Federal (passemos ao largo da piada do subtítulo: A lei é para todos) é um filme de mocinho. O que caracteriza o filme de mocinho, seja ele faroeste, policial, melodrama ou ficção científica, é uma simplificação extrema dos dados do real, eliminando ambiguidades e nuances para construir um universo dramático em que o bem e o mal estão muito bem delimitados. E a estratégia narrativa consiste em manipular o olhar e as emoções do espectador de modo a induzi-lo a tomar partido e torcer por um dos lados do conflito – o lado do “bem”, evidentemente.

A mulher que fala

José Geraldo Couto

01.09.17

Como nossos pais ganhou os principais prêmios no recente Festival de Gramado, foi premiado também no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e empolgou boa parte da crítica. Trata-se, sem dúvida, de um filme digno e relevante, que merece ser visto e discutido pelo maior número possível de pessoas. Mas, por algum motivo, esse entusiasmo todo não me contagiou, e vou tentar explicar por quê.

Ruas de Havana, cinemas do mundo

José Geraldo Couto

25.08.17

Em nosso quase monolítico circuito exibidor, a mera presença de um filme cubano é um fato a ser valorizado. Sobretudo quando se trata de um filme muito bom, como Últimos dias em Havana, de Fernando Pérez. Entra em cartaz também, dois anos depois de pronto, um documentário que é uma festa para os cinéfilos: Um filme de cinema, realizado por um dos maiores diretores de fotografia do país, Walter Carvalho.

O trabalho e as noites

José Geraldo Couto

17.08.17

Entre um extremo e outro, Corpo elétrico, o longa-metragem de estreia de Marcelo Caetano, pode ser visto como um estudo poético do corpo, de suas constrições e sua pulsão de liberdade, num contexto muito específico: o de jovens trabalhadores na cidade de São Paulo. Em Malasartes e o duelo com a morte, de Paulo Morelli, a tentativa é retomar, numa narrativa atraente às novas gerações, um personagem clássico da tradição popular luso-brasileira, o pícaro caipira Malasartes.

A serra e o pampa

José Geraldo Couto

04.08.17

Entram em cartaz dois bons filmes brasileiros, ambos filmados no Rio Grande do Sul, mas contrastantes em tudo mais. Um deles, O filme da minha vida, de Selton Mello, tem potencial para atingir um grande público. O outro, Rifle, de Davi Pretto, é um projeto comercialmente mais modesto, mas não menos ambicioso na estética e no alcance sociopolítico.

Cinema líquido

José Geraldo Couto

21.07.17

De canção em canção, o novo filme de Terrence Malick, é um objeto – melhor seria dizer: um organismo – difícil de apreender, pois tudo nele é fluido: a história, os personagens, o modo de filmá-los. São fragmentos, retalhos, sem ordem cronológica ou progressão dramática aparente, das vidas de quatro personagens centrais.

Inventário de solidões

José Geraldo Couto

14.07.17

Fala comigo, longa-metragem de estreia do carioca Felipe Sholl, começa e termina no escuro, isto é, com palavras sendo ditas sobre a tela preta. O filme parece partir do princípio de que sempre haverá coisas – nos outros, no mundo e em nós mesmos – que nunca saberemos por completo. Enfeixando pulsões delicadas e complexas, esse filme surpreendentemente seguro para um estreante demonstra integridade e consistência cinematográfica.

A doçura do irracional

Ieda Marcondes

10.07.17

A volta da série Twin Peaks, com o subtítulo The return, é um teste para os nostálgicos. Os primeiros episódios são puro David Lynch, sem filtros, despreocupado com a estrutura novelesca ou policialesca que deram forma ao piloto da série original. Temos um dos diretores mais inovadores do nosso tempo trabalhando sem qualquer amarra, e com todo o apoio, para expandir um universo rico e complexo. Cabe, de nossa parte, um ajuste de expectativas, ou no mínimo uma certa abertura ao que ele tem a nos oferecer.

Cinema sem arestas

José Geraldo Couto

30.06.17

Talvez não seja casual que, a certa altura de Uma família de dois, de Hugo Gélin, se faça referência a Eddie Murphy. Omar Sy está hoje para o cinema comercial francês como o comediante norte-americano estava para Hollywood nos anos 1980: é o astro negro oficial, escalado para dar aos filmes um verniz de simpatia e correção política e, no fim das contas, ajudar a mascarar ou edulcorar tensões raciais mais incômodas e verdadeiras.