A cineasta Laís Bodanzky

A cineasta Laís Bodanzky

A mulher que fala

No cinema

01.09.17

Como nossos pais ganhou os principais prêmios no recente Festival de Gramado, foi premiado também no Festival de Cinema Brasileiro de Paris e empolgou boa parte da crítica. Trata-se, sem dúvida, de um filme digno e relevante, que merece ser visto e discutido pelo maior número possível de pessoas. Mas, por algum motivo, esse entusiasmo todo não me contagiou, e vou tentar explicar por quê.

O cinema da dupla Laís Bodanzky (diretora) e Luiz Bolognesi (roteirista) sempre lidou com questões relevantes de nossa época, girando em torno de relações familiares, conflitos geracionais, mudanças de mentalidade e comportamento, sobretudo da classe média urbana. A abordagem desses filmes é essencialmente a de um realismo clássico, com enredos bem urdidos, personagens psicologicamente bem construídos e uma clareza de exposição quase didática.

Lugar da mulher

Em Como os nossos pais essas mesmas qualidades estão presentes, talvez de modo até excessivo, expondo também suas limitações e fraquezas, de um ponto de vista exclusivamente cinematográfico.

O “tema” do filme salta aos olhos – ou melhor, aos ouvidos – do espectador logo na primeira sequência. Num almoço familiar, vem à tona, em termos quase pedagógicos, a questão do lugar da mulher na família e na sociedade.

O almoço em questão é na casa da matriarca da família, Clarice (Clarisse Abujamra) e os convidados são sua filha Rosa (Maria Ribeiro) e seu filho José Carlos (Cazé Peçanha), com os respectivos cônjuges e filhos. O conflito que explode, passando da ironia à agressão verbal, é entre Rosa e a mãe, que insiste em defender o genro Dado (Paulo Vilhena) no desentendimento entre o casal.

Completa essa exposição de “contexto” a revelação, logo na cena seguinte, do fato crucial que lançará Rosa em uma profunda crise: a mãe lhe conta, sem rodeios, que ela não é filha de quem pensa que é (Homero, uma espécie de hippie veterano vivido por Jorge Mautner) e sim de um homem com quem Clarice teve um caso passageiro e que hoje é figura poderosa em Brasília.

Em dez minutos de filme, na conversa à mesa e na revelação pós-almoço, tudo está explicitado, repetido, enfatizado. E continuará sendo explicitado, repetido e enfatizado até o final da narrativa. Os avanços do entrecho, os desdobramentos dos conflitos, tudo se resolve basicamente nos diálogos. A decupagem é rápida, picotada e funcional; em geral mostra-se o estritamente necessário para comunicar ou ilustrar uma ideia. Sobra pouco espaço para a busca de uma expressão visual autônoma, pouco silêncio para que o espectador empreenda suas próprias descobertas, pouca sombra para a dúvida e a ambiguidade.

Expressão visual

O filme cresce, a meu ver, quando, em paralelo com o diálogo – eu quase disse “dialogando com o diálogo” –, há uma configuração visual expressiva e reveladora, como por exemplo na conversa do casal Rosa/Dado no banheiro, em que o espaço fragmentado pelas linhas verticais, refratado pelos espelhos e embaçado parcialmente pelo vidro fosco do box constrói admiravelmente o sentido e a atmosfera da cena.

Outra solução visual feliz é o plano recorrente em que vemos ao mesmo tempo, com uma parede ao meio, o quarto do casal protagonista e o quarto das filhas. Toda uma história das relações familiares poderia ser contada na mera reiteração desse enquadramento, com suas variações, mas aparentemente os realizadores não tiveram confiança suficiente na força de suas imagens, que acabam quase sempre subjugadas pelo peso explicativo do texto.

Nesse contexto em que todos os personagens, tendo se exposto logo na primeira aparição, são um tanto previsíveis – mesmo a aparentemente indomável Clarice e a aparentemente em mutação Rosa –, chega a ser um respiro a presença ocasional do velho Homero, com seu humor insólito, sua afetividade desajeitada, sua estranha poesia e suas atitudes desconcertantes.

Do almoço de família à sessão de terapia de casal, da peça de Ibsen que Rosa quer atualizar (Casa de bonecas) ao trecho da Bíblia que ela lê para as filhas dormirem, tudo gira em torno do mesmo assunto – a posição da mulher na sociedade ocidental –, de tal maneira que o filme parece se conformar à condição de veículo de ideias prévias, quando não de ilustração de uma tese. Cumpre esse papel, sem dúvida, com integridade e competência, mas é lícito esperar mais em termos de experiência (não confundir com experimentalismo) cinematográfica.

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