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Querida Angélica, blogueira desbocada, poeta despudorada, tudo bem por aí?
Seu livro já está nas livrarias? Hoje vou atrás dele, sem falta.
Vamos à resposta que não quer calar: sim, fode-se pouco na poesia brasileira contemporânea. Por que será? Não acho que os poetas estejam trepando menos. Nesse ponto, eles são como toda gente, e cada um se vira como pode. Trepa-se com pessoas, com artigos de sex shop, com frutas e legumes, com fígado de boi (cru). No Pornopopeia, do Reinaldo Moraes, o narrador se masturba usando uma lula fresca. Eu nunca trepei com animais, mas não julgo quem o faça ? desde que seja de comum acordo.
Uma vez, lá em Santo Anastácio, um primo me chamou pra mostrar o buraco que ele tinha feito entre as pernas de uma boneca gigante da Xuxa que a irmã dele tinha ganhado de aniversário. A boneca usava calcinha e por isso a Marina, dona da Xuxona, não tinha se dado conta do furinho, pelo menos até aquele momento. Tá certo que esse primo estava longe de ser um poeta ou mesmo um homem sensível, mas imagino que a vida sexual dos nossos pares seja bem parecida com a da média da população.
Então por que a poesia contemporânea anda tão pudica?
Vou lançar uma hipótese: é difícil escrever sobre sexo. E estou falando de sexo-sexo: pau na buceta, língua no cu, dedo na boca e olho no olho. É difícil escrever sobre sexo sem ficar cafona, ingênuo ou banal. Porque sexo é a coisa mais direta que existe. E a linguagem é uma máscara, uma mediação. Fazer essa linguagem chegar no objeto não é mole (ops). Qualquer metaforazinha e já estamos no terreno da LITERATURA. Veja, por exemplo, O amor natural, do Drummond. Tem poemas ali que funcionam; outros, os mais rebuscados, parecem coisa de velho literato safado. Nada contra, as mulheres dele deviam ficar felizes. Mas não acho que seja boa poesia. Desse livro, o melhor é aquele que começa com “No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio”. É um verso solene e verdadeiro, ao mesmo tempo. Me convence. Eu vejo essa bunda. É uma bunda gostosa.
Dos putanheiros famosos das letras universais, do que li, gosto do Bocage, do Aretino ? Gregório de Mattos eu li mal. Mas meus poemas preferidos na categoria “sexo em primeiro plano” são o poema 5 (“Fazia calor e o dia tinha cumprido a metade de suas horas”, na tradução de Lucy Ana de Bem) do Primeiro livro dos amores, do Ovídio, e o poema 32 do Catulo, aquele que, na tradução do José Paulo Paes, começa com “Eu te peço, minha doce Ipsitila,/ Delícia e graça deste meu viver/ Convida-me a passar contigo a sesta”. Curioso: são dois poemas latinos. E mais curioso ainda: as duas trepadas ocorrem de dia, na hora do almoço. Não manjo nada do cotidiano da época (comprei alguns livros sobre o tema, que pretendo ler em breve), mas essa naturalidade é rara e invejável.
Na prosa acho que é mais ou menos a mesma coisa. O escritor tem duas opções: ser absolutamente direto (Philip Roth) ou descrever tudo com humor (Reinaldo Moraes). O prosador que tentar ser “poético” (“penetrou-lhe a rubra rosa com a espada ardente”) está condenado ao ridículo.
Mas talvez eu esteja simplificando demais. Se não me engano o Faulkner tem uma descrição bem doida, obscura e altamente poética de uma trepada. Acho que no Luz em agosto.
Em todo caso, é como diz o Antonio Cisneros: “Es dificil hacer el amor pero se aprende“.
…
Te mando um poema que fiz depois de assistir a alguns filmes da Nina Hartley, pornstar que ficou conhecida por gozar durante as filmagens. (Te enviei uma vez um link com um vídeo dela dando aulas de masturbação pra mulheres, lembra?) Não sei se presta. Te mostro porque você pediu e seu pedido é uma ordem.
Aproveito pra te enviar mais dois poemas: um que fiz pro meu apertado banheiro (caga-se pouco na poesia brasileira, você não acha?) e outro, sem título, da série “Mais um poema para Angélica Freitas” ? because I love you, you know.
Um beijo,
Fabrício
P.O.V.
engolia minha porra
sem fazer cara feia
depois não me abraçava
procurando carinho
não dizia que me amava
acho que nunca me amou
engolia minha porra
com os olhos abertos ?
a mão direita apertava a base
a esquerda amparava as bolas
enquanto eu gozava
ela estudava a expressão do meu rosto
com curiosidade científica
faz anos que não a vejo
ninguém tem notícias dela
onde andará N. H.?
VIVENDO EM APARTAMENTOS APERTADOS
o que eu desejo mesmo
é o banheiro ideal
claro
amplo
arejado
com uma grande janela debruçada
sobre o vale verdejante
para poder cagar sossegado
relendo os velhos poetas latinos
…
Marc Chagall com sua vaca russa
Marc Chagall com sua aldeia roxa
Marc Chagall com sua noiva catapultada
eles disseram “repetitivo”
eles tacharam de pitoresco
?
eu só queria
ser o vizinho
da minha irmãzinha
Angélica Freitas
o chefe da guarda
e o companheiro de viagem
da minha irmãzinha
Angélica Freitas