Colunistas

Topografia da imaginação

Bernardo Carvalho

06.07.16

Bernardo Carvalho comenta três filmes que enfocam por diferentes ângulos Il Grande Cretto (A Grande Rachadura), concebido nos anos 1980 por Alberto Burri (1915-1995) sobre as ruínas de Gibellina, uma cidadezinha na Sicília que desapareceu num terremoto em 1968. Ficaram os escombros. Uma nova cidade foi construída a 18 km dali, com a colaboração de artistas do mundo inteiro, e logo se converteu num lugar medonho, uma cidade fantasma com cara de conjunto habitacional, um monstro da arquitetura planejada e um equívoco artístico.

Brasil, capital Paris

Carla Rodrigues

29.06.16

Carla Rodrigues comenta dois livros recém-lançados que, à primeira vista, em nada se parecem: A tortura como arma de guerra, da jornalista Leneide Duarte-Plon, e Gênero e trabalho no Brasil e na França, coletânea de artigos organizada pelas pesquisadoras Alice Abreu, Helena Hirata e Maria Rosa Lombardi. Ainda que discutam temas muito distintos. ambos os livros têm em comum o debate das difíceis e intrincadas relações do Brasil com a França, em relação a quem o país ocupa uma posição ambígua.

Qual é o problema?

Bernardo Carvalho

21.06.16

Bernardo Carvalho lembra que dados do FBI mostram que o risco de um indivíduo gay ser vítima de crime de ódio (cometido por americanos brancos) nos Estados Unidos é duas vezes maior do que para negros e judeus, e quatro vezes maior do que para muçulmanos. Afinal qual é o problema? Por que é preciso eliminar os gays? É preciso entender que o recrudescimento da repressão aos homossexuais sob a égide de populismos e oportunismos políticos e religiosos sinaliza um sério risco de perda dos direitos individuais para todos. É preciso entender que, mesmo não se debatendo com nenhum traço homossexual reprimido, a população que preza sua liberdade e seus direitos tem hoje muito mais a ver com os gays do que gostaria de imaginar.

Do ruído ao silêncio

Carla Rodrigues

15.06.16

A crise política deflagrou uma inflação de debates, discursos, aulas públicas, discussões, encontros, manifestações, mobilizando pensadores formados nas universidades brasileiras, agora alvo não apenas de uma ameaçadora política de desmonte econômico, mas sobretudo também novo alvo do “Escola sem partido”. Calar a viva capacidade de crítica significa um retrocesso obscurantista sob o qual corremos o risco de morrer. Em silêncio.

Oscilação da luz

Bernardo Carvalho

08.06.16

Chantal Akerman se matou dezoito meses depois da morte da mãe. Sofria de crises de depressão. A simbiose com a mãe era uma questão permanente em seus filmes. O silêncio da mãe sobre a experiência nos campos acabou encontrando na imagem dos filmes da filha, como Não é um filme caseiro, uma forma de expressão possível, como se os filmes fossem uma forma substituta, alternativa, de dizer esse silêncio.

O corpo das mulheres como campo de batalha

Carla Rodrigues

01.06.16

Em cartaz no Rio de Janeiro, O corpo da mulher como campo de batalha, peça encenada a partir de texto do romeno Matéi Visniec, trata do estupro como estratégia na Guerra da Bósnia, o maior genocídio do século XX depois da Segunda Guerra. Cada palavra dita pela vítima para sua psicanalista, uma especialista em neurose traumática, pode ser ouvida pela plateia carioca com uma força dramática além da densidade do texto original, sobretudo por ter estreado no mesmo dia em que veio à tona a notícia do estupro da jovem de 16 anos, violentada a primeira vez pelos infinitos homens, violentada a segunda vez quando inúmeras vezes é acusada de ter provocado o crime do qual foi vítima.

Retrocesso

Bernardo Carvalho

25.05.16

O multiculturalismo criou uma armadilha para si ao defender uma estratégia em princípio libertária, rompendo o valor subjetivo do cânone ocidental para abrir a literatura à expressão das minorias e à afirmação das diferenças. No momento em que abandona o valor arbitrário e subjetivo para buscar um critério mais democrático e objetivo, baseado na expressão da experiência e da identidade do autor, a literatura abre o flanco para o tipo de redução e inversão que a resenhista reproduz ao analisar o livro de White: romance de gay é para gays. É um retrocesso.

O mundo se divide…

Carla Rodrigues

18.05.16

O mundo se divide entre aqueles que acreditam que o mundo se divide em duas partes e os que acreditam que tudo é muito mais complicado do que isso. Esteja de que lado você estiver, é impossível ignorar o problema da representação  na não representatividade do ministério do governo interino. Um regime democrático depende da representação de infinitas singularidades, impossíveis de estar contidas em qualquer estrutura representativa, mas possíveis de não serem totalmente ignoradas como se não existissem.

Pulsão de morte

Bernardo Carvalho

11.05.16

Don DeLillo, um dos mestres da literatura pós-moderna, acaba de lançar Zero K, romance que é uma alegoria da morte no capitalismo tardio, cuja peculiaridade é dar à morte um tratamento material. "É como se, tentando evitar a morte, o indivíduo se adiantasse a ela e se submetesse a uma experiência científica que se confunde com um ritual sinistro que o esvazia de todo desejo, de toda autonomia individual e de toda vontade própria, para acabar reduzido a um corpo inerte, pendurado num gancho."

Ao passado, ao trabalho

Carla Rodrigues

04.05.16

No Brasil, coube à filósofa Jeanne Marie Gagnebin a importante tarefa de ressignificar a melancolia no pensamento de Walter Benjamin e recusar o senso comum de o pensador alemão seria um saudosista em busca do tempo perdido. Em seu livro mais recente, ela trabalha com a ideia de que memória e rememoração funcionam em Benjamin como instrumentos políticos de resistência. Com isso, Gagnebin ajuda a pensar no que estamos vendo acontecer todos os dias: numa crise política, a disputa nunca é apenas em torno do presente, mas também ou principalmente sobre a história.