A cadela Baleia, poetas e Daniel Galera no terceiro dia

IMS na Flip

07.07.13

IMS  na Flip

A série de conversas da programação da Casa do IMS terminou na noite de sábado com o cineasta Nelson Pereira dos Santos lembrando histórias em torno de Vidas secas, o filme que lançou em 1963 (há 50 anos, portanto) a partir do romance de Graciliano Ramos. O escritor alagoano é o homenageado da Flip 2013. O IMS está lançando em DVD três longas-metragens baseados em livros de Graciliano: Vidas secas, Memórias do cárcere (também de Nelson) e São Bernardo, de Leon Hirzsman. As caixas postas à venda em Paraty se esgotaram, tamanha a procura. Os DVDs também são vendidos separadamente.

O crítico Carlos Augusto Calil, que mediou a conversa (disponível em áudio na Rádio Batuta), afirmou que “o filme não fica a dever ao livro, o que é muito raro”. Contribuiu para esse acerto, segundo ele, os temperamentos afins de Graciliano e Nelson. “Ambos são autores econômicos, implacáveis, buscando expressividade direta, realismo cru”.

A filmagem realista da célebre cena da morte da cadela Baleia foi tema de boa parte da fala de Nelson. Ele contou que vários dias de trabalho foram necessários para que a cena ficasse como ele queria. Náilon para amarrar as pernas da vira-lata comprada em Alagoas, ketchup para simular sangue e a sombra sob um carro de boi (para ela deitar e parecer morrer) foram alguns dos expedientes utilizados.

“O realismo da cena foi tanto que se achava que a cachorra tinha morrido de verdade. A Sociedade Protetora dos Animais queria me processar. Tivemos que levar a Baleia ao Festival de Cannes para mostrar que ela estava viva. Mesmo assim, houve quem achasse que era outra vira-lata”, disse o diretor.

No final, diante de uma plateia que contou com o documentarista Eduardo Coutinho e o escritor Ricardo Ramos Filho (neto de Graciliano), Nelson pediu que se projetasse Como se morre no cinema, filme de 20 minutos feito por Luelane Loiola Corrêa para mostrar como foram filmadas em Vidas secas as mortes de Baleia e de um papagaio.

http://youtu.be/q3UgcUUyPiY

Antes de Nelson, outros dois artistas de longa trajetória conversaram na Casa do IMS. Chico Alvim e Zuca Sardan, poetas e diplomatas com 60 anos de amizade, divertiram o público lembrando algumas histórias. A pedido do também poeta Chacal, que estava na plateia, Zuca contou ter visto Carmen Miranda nua. Disse que era criança e, juntamente com o primo Fernandinho, subiu nas cordas de uma enorme faixa publicitária e viu, da janela do Cassino da Urca, a cantora nua. Diante do espanto da plateia com o causo inusitado, Zuca completou: “E tudo isso para mim foi verdade”. Ele confirmou assim, para quem não o conhecia, a sua capacidade de criar histórias absurdas engraçadas. O carioca radicado em Hamburgo, na Alemanha, ainda leu poemas de seu livro Ximerix e, a pedido de Chico, fez um desenho numa cartolina.

“Se a humanidade sobreviver ao Armagedon, descobriremos que Zuca é o nosso grande sátiro, nosso Gargantua, nosso Rabelais”, exaltou Chico.

O primeiro escritor a falar na Casa do IMS no sábado foi Daniel Galera. Ele escolheu como tema A travessia, de Cormac McCarthy, e contou como o livro influenciou Barba ensopada de sangue, seu romance mais recente e já o mais conhecido de sua carreira.

A história de McCarthy se passa no deserto entre o México e os Estados Unidos, numa longa jornada que envolve dois irmãos. De maneiras diferentes, eles se tornam lendas. Galera adotou opção semelhante em Barba ensopada de sangue, no qual o protagonista tenta saber o que aconteceu com o avô, Gaudério, em Garopaba (SC), e acaba por também se tornar lenda na região.

“Em cidades do interior, não é incomum uma pessoa causar pequenos acontecimentos e se tornar figura mitológica. Procurei trazer esse contexto de A travessia para Garopaba”, disse o escritor gaúcho.

Na conversa com Daniel Pellizzari, redator do site do IMS, ele também afirmou que, apesar do enorme volume de narrativas existentes em tempos de redes sociais, o romance continua como o espaço em que as histórias podem ser contadas de forma mais consistente. “Não estamos dispostos a abrir mão disso. Se um dia isso desaparecer, vai ficar tudo muito difícil”, afirmou ele, destacando que “o que não é contado não tem realidade”.

A Casa do IMS ainda lotou à noite para o últimos dos três shows dedicados ao repertório dos antigos compositores da Portela. Paulão 7 Cordas (violão e voz), Alessandro Cardozo (cavaquinho) e Rodrigo de Jesus (percussão) voltaram a interpretar músicas de Manacéa, Mijinha, Monarco e outros.

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