Tem início neste post uma conversa entre a professora Vilma Arêas e o escritor Ronaldo Bressane, que trocarão correspondência no blog. Clique aqui para ler a carta seguinte.
Caro Ronaldo,
Estou aqui em Berkeley desde agosto dando dois cursos de literatura brasileira, um na graduação, outro na pós. Preparei loucamente os programas que me deram, mas quando cheguei aqui, embora os títulos das ementas da graduação fossem os mesmos, significavam outra coisa: muitos dos meninos já tinham estado no Brasil, ou pesquisando, ou em ONGs fazendo o que chamam de trabalho social, ou porque estão namorando um brasileiro ou brasileira. Todos adoraram, querem voltar, muitos querem morar no Brasil, trabalhar etc.
Bom, joguei os programas pela janela e conversei com eles uma semana inteira para adaptar os cinco séculos de literatura brasileira em três meses (pasme!) para alunos que vêm dos cursos os mais diversos: sociologia, biologia, urbanismo, física e alguns de literatura. Isso já está começando no mundo todo, até no Brasil. Aqui os alunos são super disciplinados. Mas ouça esta:
A mocinha mexicana me procurou no escritório. Tinha cabelos e olhos pretos como a asa da graúna. Um pouco gorduchinha, muito bonita. Perguntei protocolarmente: qual é a sua dúvida sobre a matéria?
Ela ficou me olhando calada, um ar indeciso. Depois respondeu com outra pergunta:
– Posso te contar um segredo?
Tive vontade de rir.
– Mas é um segredo que posso contar aos outros, ou é um segredo que não posso contar a ninguém?
Novo silêncio.
– Pode contar, mas não diga que fui eu.
Achei que era um bom trato. Era o seguinte: me disse que colegas com quem tinha conversado sobre as aulas comentaram que me achavam às vezes muy graciosa, muito engraçada, mas que não podiam rir.
– Mas por que não podem?
– Porque não é aconselhável rir em sala de aula, não é apropriado.
Entendi que não era um segredo propriamente, era um recado.
– Deixa comigo, prometi.
Na aula seguinte comecei a aula dizendo que ia explicar uma coisa muito importante e que eles não deviam esquecer. Era a diferença entre seriedade e sisudez.
– Há pessoas sisudas que não são sérias e pessoas sérias que não são sisudas.
Eles, seríssimos.
– Meninos – disse – o riso está liberado. Podem rir em sala de aula.
Olharam uns para os outros e começaram a rir com grande satisfação.
Isso, que não estava previsto no programa, foi a coisa mais importante, porque relaxou o clima. Acho até que estão gostando mais dos textos que levo.
Talvez nos States a palavra de ordem deva ser relaxar. Ninguém aguenta a vida tão administrada que eles levam e tantas ordens e contraordens passadas às claras ou debaixo do pano. Eu mesma, que estava enlevada com coisas bucólicas, perfume do ar, silêncio, esquilos correndo pela calçada e pelos parques, já começo a odiar o ruído discreto, mas ininterrupto dos sinais de trânsito, permitindo ou não a travessia da rua. Fico achando que estou andando em círculos dentro de um relógio que sobrevoa a cidade.
Até a próxima, abraço,
Vilma
P.S.: Lavei a alma com o resultado do primeiro turno em Sampa.
* Na imagem que ilustra a home desse post: a Universidade de Berkeley.