Aceitar imagens – quatro perguntas a Michael Wesely

Quatro perguntas

15.12.15

Um novo prédio surge na av. Paulista. Próximo à rua da Consolação, aos poucos se delineia a estrutura do novo museu do Instituto Moreira Salles em São Paulo. Para registrar essa nova peça do cenário paulistano, o IMS fez uma parceria com o artista alemão Michael Wesely, conhecido pelas suas imagens em longa exposição que condensam vários anos em uma só fotografia, e que registraram, por exemplo, a expansão do MoMA em Nova York, obras que agora fazem parte da coleção permanente do museu. Wesely, após escolher os melhores locais de onde capturar a construção, pendurou-se em cordas de alpinismo industrial nos prédios e posicionou as câmeras – tanto digitais quanto analógicas – para que produzam imagens surpreendentes e inesperadas. Afinal, parte do seu trabalho, como ele conta nesta entrevista ao Blog do IMS, é “aceitar as imagens que aparecem”.

Michael Wesely usando cordas de alpinismo para posicionar uma das câmeras

Você usa tanto câmeras digitais quanto analógicas neste projeto. Por que você optou por usar ambos os formatos ao invés de um só?

A vida mudou muito, a fotografia analógica está quase desaparecendo. Eu estou tentando descobrir uma maneira de usar fotografia digital em fotos de longa exposição para dar continuidade ao trabalho que desenvolvi nos anos 1990, quando comecei a tirar esse tipo de foto. E também por um desejo de não ficar preso à tecnologia antiga, por melhor que seja a fotografia analógica – o filme é ótimo para esse tipo de foto. Há um preço a se pagar pelo fato de que os tempos mudaram: como dominar essa técnica na era digital? Por isso, decidi usar ambos os formatos.

Nos últimos anos, sempre ouvimos as pessoas falarem de tecnologias que desapareceram, como o filme 35mm, que quase nenhum cineasta usa mais. Porém, sempre que algo desaparece, há a oportunidade do novo surgir. Desaparecimento e surgimento estão conectados. Ainda estou numa fase experimental de trabalho digital com longas exposições, não é tão simples. Faço isso há muitos anos com meus assistentes, tentando me aproximar do efeito causado pela longa exposição com filme analógico, mas a questão é muito mais complexa do que o público pode perceber. Descobrimos que não podemos abrir o obturador e fechar depois de um ano: as câmeras digitais só podem gravar um ou dois minutos por vez, então o que acontece é que você recebe centenas de imagens por dia, e isso dura um ou dois anos, de modo que há muitos dados disponíveis.

Estou tentando descobrir o que a fotografia digital pode me oferecer, que portas se abrem quando uso esse formato, e essas questões aparecem mais quando estou trabalhando de fato com isso, e não apenas pensando no assunto. É uma grande diferença. Não sei se conseguirei atingir a qualidade que o filme analógico possui. Mas outros canais se abrem que podem invadir esse espaço-tempo. Dois anos geram, não sei, centenas de milhares de imagens, que estão todas conectadas a uma só imagem, mas, na verdade, todo o arquivo do espaço está disponível, permitindo escolher segmentos dele, e isso é algo que não consigo fazer com a fotografia analógica. É um desafio que me fará repensar o tempo, o processo, o progresso, e por isso propus essa ideia ao IMS.

O seu trabalho é profundamente inspirado por cidades, paisagens urbanas e suas transformações. O que você considera mais interessante na cidade de São Paulo?

São Paulo é um lugar muito interessante, pois a cidade é tão densa, tão superpopulosa, que pode ser vista como uma cidade avançada no tempo. As cidades europeias não são tão altas, são menos densas, tem outro ritmo, além de outra história, é claro, mas São Paulo, nesse sentido, sempre foi uma cidade como Tóquio: muita gente, pouco espaço. Essas cidades vivem no futuro, uns cinquenta anos na frente das outras. São Paulo já mostra os sintomas de superpopulação que você não encontra em cidades européias, por exemplo. Acho que São Paulo é a cidade com mais helicópteros no mundo, por causa do problema do trânsito. E, sempre que eu venho a São Paulo, tem cinco prédios novos ao meu redor, o que é fascinante e assustador ao mesmo tempo, pois você pensa: como organizar tanta gente?

Como tenho amigos que são arquitetos ou urbanistas e trabalham com o crescimento da cidade, graças ao que eles me contam, fico sabendo sobre as mudanças da cidade. E é possível perceber todos os problemas causados pela superpopulação, a questão dos bairros, das pessoas que querem morar onde trabalham, pois ninguém gosta de passar horas no trânsito, então se formam pequenas vilas dentro da cidade. De certo modo, é interessante observar isso, pois não vemos isso na Europa. E, também, luta-se por uma melhor qualidade de vida em São Paulo agora. Isso começou há alguns anos, quando começou a se pensar em ciclovias, e agora os ciclistas precisam se adaptar à cidade e a cidade precisa se adaptar ao ciclista, os motoristas precisam aprender a lidar com isso. Isso tudo surgiu muito rapidamente, mas é um processo que levará anos.

A melhor coisa de São Paulo para mim é como a cidade está sempre mudando e como as pessoas, hoje em dia, pensam em maneiras de recuperar a cidade. A cidade foi totalmente roubada pelos carros e pelo trânsito, mas agora as pessoas estão pensando em como tornar a cidade mais habitável, com ciclovias e parques, e isso também é um aspecto muito interessante.

Qual é a parte mais difícil de fotografar um prédio em construção. Que surpresas podem surgir de tirar fotos de algo que está em constante mutação?

Um dos parâmetros deste meu trabalho de longa exposição é que eu aceito as imagens que aparecem. Se eu tirar um retrato de cinco minutos de você, e você se mexer sem parar, eu não vou dizer: “pare de se mexer”. Se você quer se movimentar, vá em frente, se preferir ficar parado, fique parado. O resultado é uma consequência. Eu aceito a consequência do que acontece quando eu abro o obturador por cinco minutos e não por um instante. E isso também se reflete em outros níveis nas minhas fotografias de prédios em construção. Quanto às surpresas, elas são sempre as mesmas: você não sabe o que será visível na construção. As surpresas estão no resultado. Você enxerga contêineres, caixas que não achava que iam aparecer, e assim por diante. Todo o processo de construção deixa rastros na fotografia, e é surpreendente notar o que fica visível. As coisas que se movimentam demais desaparecem. Estão presentes apenas em sua ausência. Isso inclui os trabalhadores.

Então você mergulha nos detalhes da imagem. Por isso as impressões precisam ser muito grandes, para poder olhar bem de perto e apreciar todos os pequenos detalhes que contam diferentes histórias. E isso é parte das belas surpresas quando você contempla o trabalho. Tudo isso são resultados e consequências dessa maneira muito passiva de fotografar.

Como você escolheu os locais onde colocar as câmeras? O que você tenta capturar a partir desses lugares?

As escolhas seguem as mesmas regras da fotografia clássica. Isso não muda por se tratar de fotos de longa exposição. Você anda ao redor de um lugar e tirar cinco ou seis fotos, porque sabe de que ângulos ficará bom, uma foto frontal, uma mais para esquerda, uma do outro lado. Não faço nada diferente dos outros fotógrafos, só o meu processo é um pouco mais lento, muito mais lento… Mas é a mesma coisa: você olha daqui, dali… Pensa, “não, eu não tiraria essa foto, eu tiraria essa…”

Esta, porém, já é uma situação especial: o museu novo não tocará os lados dos outros prédios, há um espaço entre os prédios, e essa fresta é interessante para o meu trabalho, pois as quatro fotografias sempre mostrarão uma parte da Paulista. As câmeras revelarão um espaço estreito onde vemos a Paulista, onde nada muda, e então… Um novo prédio surge. Há uma certa lógica, uma lógica visual, quando você enxerga as quatro imagens juntas.

Depois de certo tempo, você sabe qual é a melhor maneira de fotografar uma construção. Você vê uma maquete, um modelo 3-D, e sabe quais ângulos serão os melhores. E aí você conversa com os donos dos prédios, afinal, os prédios são de certa forma os meus tripés, e aí começa a parte burocrática: quem permite, quem não permite. O IMS conhece esse procedimento muito bem, afinal, não pudemos colocar uma câmera neste prédio [o administrativo do IMS na av. Paulista situado em frente ao novo museu]. Esta perspectiva não está disponível, o que me desagradou, mas tive que pensar: qual é o segundo melhor lugar? Dependo de condições do ambiente, e isso é muito cansativo e frustrante. Conversar com alguém, perguntar: “Qual é o problema de eu colocar um tripé no seu prédio?”, mas para algumas pessoas isso é um problema. São fatores limitadores para o artista. Temos de lidar com o que está a nosso alcance.

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