Argentina ou o elogio do outro

No cinema

19.10.11

Não é de hoje que o cinema argentino desperta um misto de admiração e ciúme nos realizadores nacionais. Cada vez que um filme argentino cai nas graças do público brasileiro, é possível pressentir em cada um de nossos cineastas, roteiristas e produtores uma pergunta não formulada: o que eles têm que nós não temos? Cada êxito do país vizinho nos chega como um ovo de Colombo. “Puxa, mas parece tão simples: por que não pensamos nisso antes?”

(Estou exagerando, claro, mas não muito.)

O caso mais recente é o de Um conto chinês. Em um mês e meio de exibição, com quinze cópias, o filme de Sebastián Borensztein já foi visto por 150 mil brasileiros, uma performance que poucos títulos nacionais de envergadura equivalente de produção alcançam.

Entre parênteses: no Brasil há um fosso aparentemente intransponível entre as poucas produções que atingem milhões de espectadores (em geral da Globo Filmes e/ou com temas candentes, como tropas de elite e prodígios mediúnicos) e os inúmeros peixes pequenos que não chegam aos cem mil ingressos vendidos.

O que fazer para ocupar essa faixa intermediária? O que nos falta, dizem alguns, é o chamado “filme médio”, aquele que, sem abrir mão da inteligência e de certa originalidade, consegue dialogar com uma parcela razoável do público. Será que é isso mesmo?

Vejo ótimos “filmes médios” (de acordo com a definição acima) que encalham na bilheteria, alcançando um desempenho muito menor do que merecem: É proibido fumar, Riscado, Antes que o mundo acabe, Trabalhar cansa… A lista é longa.

Mas voltemos a Um conto chinês. Há ali, além da presença de Ricardo Darín, hoje um astro internacional, tudo aquilo que se espera do “filme médio”: ideia engenhosa, produção modesta, roteiro bem construído, atores bem escalados, direção segura. E aquela qualidade em que os argentinos têm se mostrado mestres: uma observação indireta, mas nem por isso menos incisiva, da realidade social, econômica e cultural do país.

Corre-se aqui na tal faixa intermediária. Nem é a produção de grande bilheteria, como as de Juan José Campanella (O filho da noiva, O segredo dos seus olhos), nem a obra mais autoral de uma Lucrecia Martel ou um Pablo Trapero. Esse terreno intermédio é ocupado também por um Daniel Burman (O abraço partido, As leis de família, Dois irmãos).

É curioso, e provavelmente significativo, que a trama de Um conto chinês gire em torno da relação de um portenho médio – aliás, “médio” em tudo: classe média, meia-idade, meio empedernido, meio bonito – com um estrangeiro absoluto, o chinês que ele tenta rejeitar, mas que acaba por acolher, ainda que de início a contragosto.

Outro filme argentino mais ou menos recente e que obteve um sucesso de estima no Brasil, O homem do lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat, também lida com essa questão da abertura para “o outro”, só que no caso se trata de dois argentinos, ou antes de “duas Argentinas”, a nacionalista tradicional e a supostamente moderna e cosmopolita.

Em Um conto chinês, a Argentina já não se basta. Busca no olhar do estrangeiro um modo de se ver melhor e de se reinventar.

O que se conclui disso tudo? Provavelmente nada, exceto que abrir os olhos – “janelas da alma” – para o mundo é sempre saudável. Olhar o tempo todo para o próprio umbigo causa, no mínimo, uma tremenda dor no pescoço.

 

* Na imagem da home que ilustra este post: cena do filme Um conto chinês, de Sebastián Borensztein

 

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