Parem, simplesmente parem
Carla Rodrigues
07.03.17
No momento imediatamente anterior à chamada quarta onda, os movimentos feministas ocidentais estavam capturados pela institucionalização ou, dito de uma forma pior, pela adesão aos governos. O retorno às ruas é não apenas a volta à oposição, mas principalmente a retomada da irreverência e do deboche como potente arma política. Com sua plasticidade e irreverência, resgata essa crítica ao capitalismo e às injustiças de gênero nele contidas e acentuadas por um recrudescimento das políticas neoliberais de corte de direitos.
Luto e barbárie
Carla Rodrigues
03.02.17
Somos um país sem tradição de luto público, o que de certa forma ajuda a explicar tanto descaso por determinadas vidas em detrimento de outras. Nada mais apropriado para refletir sobre as reações à morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva.
Todo mundo mente
Carla Rodrigues
19.12.16
Na experiência cotidiana, estamos todos diante da impossibilidade de distinção entre verdades e mentiras – da timeline do Facebook ao noticiário, dos discursos dos políticos aos programas dos candidatos, da publicidade aos grandes juristas, do plebiscito inglês que promoveu o Brexit ao futuro presidente dos EUA, Donald Trump, do Congresso ao STF, numa lista infinita de exemplos que 2016 não nos deixará esquecer tão cedo.
Vida longa ao espírito revolucionário
Carla Rodrigues
07.11.16
O silêncio é, de certa forma, o protagonista de um filme de juventude de Anri Sala, Intervista (Finding the Words), realização de 1997 quando Sala ainda era estudante de cinema em Paris. Havia apenas cinco anos a pequena Albânia tinha deixado de ser um país comunista, e Sala encontra no fundo de uma caixa um rolo de filme de 1977. Nele, sua mãe, Valdet Sala, então uma das jovens lideranças políticas, participa de uma solenidade oficial do partido e concede uma entrevista. No entanto, embora as imagens estejam intactas, o áudio do filme se perdeu. É aí que entra o subtítulo do filme – procurando as palavras –, que lança Sala numa aventura de recuperação das falas da mãe.
Micropolíticas feministas
Carla Rodrigues
05.10.16
No país que tirou uma mulher do poder há tão pouco tempo, eleger com votação tão expressiva três mulheres negras para vereadoras, dar a três mulheres o primeiro lugar para câmaras municipais, não é só uma marca de transformação política, é principalmente a chance de voltar a sonhar.
Nós, os americanos
Carla Rodrigues
21.09.16
Comecei a ver The Americans por indicação de um amigo, e logo me apaixonei pela combinação entre drama psicológico, contexto histórico, suspense e espionagem. Tramas de espionagem sempre me seduziram e sou capaz de suportar inúmeras patriotadas norte-americanas em nome de um bom suspense. Os espiões em The Americans carregam dilemas com os quais também nos confrontamos. Como viver uma vida autêntica, quem eu sou, até que ponto a nacionalidade, a ideologia, o gênero ou mesmo a profissão me define e identifica?
Estas águas, este país
Carla Rodrigues
07.09.16
Não há lugar melhor do que o MAC para uma exposição sobre as águas da Guanabara, suas vidas e suas mortes. Localizado diante da entrada da baía, entre as duas fortalezas que a protegeram nos séculos XVI e XVII – Santa Cruz, do lado de Niterói, e São João, do lado carioca –, é parte do cenário da baía assim como a baía faz parte do museu, com suas janelas envidraçadas exibindo toda exuberância do que se pode chamar de ponto fundador não apenas do Estado do Rio de Janeiro, mas do Brasil como Estado-nação, suas vidas, suas mortes.
Quatro crises por uma
Carla Rodrigues
24.08.16
O julgamento que começa nesta quinta-feira no Senado é resultado de um processo de impeachment, cuja legitimidade é questionada pelo uso de outra palavra, golpe. Como aconteceu em 1964, quando a polaridade era entre golpe militar ou revolução redentora, hoje a política se faz em torno da disputa por significantes. Participam deste discurso termos como crise, pacto e misoginia, evocado pelos movimentos feministas para mostrar o quanto há de discriminação contra uma mulher no poder. O problema das palavras é o que elas dizem das coisas e o que eventualmente elas omitem. Crise, por exemplo, por gasta, se esvaziou de seu sentido de tal modo que me parece necessário qualificá-la.
Quem conta a guerra são as mulheres
Carla Rodrigues
26.07.16
Para fazer o luto é preciso falar do luto, o que no caso dos mortos pela polícia, como no caso dos jovens de Costa Barros, implica também denunciar a violência do Estado. Entre os anos 2001 e 2011, o Rio de Janeiro registrou cerca de dez mil mortes em confronto com a polícia fluminense, conforme levantamento da OAB/RJ, muito bem nomeado de “Desaparecidos da democracia”. Sabemos que na Argentina são as Mães da Praça de Maio as mulheres que contam a guerra das ditaduras militares contra seus filhos. Sabemos que no Brasil foram as mulheres que lutaram pela Lei da Anistia, a fim de trazer de volta ao país seus maridos e filhos.
Nada é simples
Carla Rodrigues
13.07.16
Carla Rodrigues, sobre o Rio de Janeiro: "Basta olhar para a vizinha São Paulo para perceber o quão longe estamos da categoria metrópole. Temos os problemas urbanos de metrópole, é verdade, mas estamos muito longe de ter esboço de soluções. Aqui, historicamente a categoria cidade se sobrepõe à restritiva – cultural e socialmente – categoria Zona Sul, um pequeno e disputado pedaço de terra onde a concentração de bens e serviços faz supor que somos mais um balneário do que de fato uma metrópole."